sexta-feira, 24 de março de 2017

João Pereira Coutinho: "É grotesco dedicar a terroristas horas infindas de propaganda midiática"



Stefan Rousseau/Xinhua/PA Wire/Zumapress
(170322) -- LONDRES, marzo 22, 2017 (Xinhua) -- El miembro del Parlamento británico y ministro del Gobierno de Reino Unido en la Oficina de Relaciones Exteriores y de la Commonwealth, Tobias Ellwood (2-d), auxilia a un oficial de policía herido frente al Palacio de Westminster, en Londres, Reino Unido, el 22 de marzo de 2017. La policía británica confirmó el miércoles que el número de muertos por el ataque ocurrido afuera del Parlamento en el centro de Londres se ha elevado a cinco. El comisionado asistente de la Policía Metropolitana, Mark Rowley, dijo a los reporteros que alrededor de 40 personas resultaron lesionadas en el ataque. (Xinhua/Stefan Rousseau/PA Wire/ZUMAPRESSS) (da) (fnc) ***DERECHOS DE USO UNICAMENTE PARA NORTE Y SUDAMERICA***
Deputado Tobias Ellwood (no centro, de óculos), ajuda um policial ferido no ataque em Londres


Folha de São Paulo

Sento-me para escrever um texto sobre o mais recente acto terrorista em Londres. Já estou desactualizado. No momento em que começo estas linhas, houve uma tentativa de ataque na Bélgica. Quando terminar o texto, não posso garantir que algo não terá ocorrido em Paris, Roma ou Amsterdã. 

Aliás, quem pode?

Existem duas formas de olhar para o atentado de Westminster. O primeiro é dizer o óbvio: nada de novo na frente ocidental. Olhei para os números. Em 2017, este é o quarto ataque em solo europeu com carimbo jiadista. Se mergulharmos em 2015, para o qual já há números fiáveis da Europol, houve 211 ataques, 151 mortos, 360 feridos. Em 2016, contas por alto, o figurino não deve ser radicalmente diferente.

Donde, a conclusão amarga: o terrorismo veio para ficar. Hoje, lamentamos Londres. E até nos esquecemos que, dias atrás, houve outro incidente menor. No aeroporto de Orly, em Paris.

Mas existe outra forma de olhar para a tragédia. Uma variante optimista, digamos: a verdadeira surpresa destes ataques não está no facto de eles acontecerem. Está, pelo contrário, na evidência salvífica de eles não acontecerem mais vezes.

O inglês Anthony Lane, que fez uma pausa na verve irónica para contemplar a destruição na sua cidade natal, partilha na "New Yorker" esse mesmo espanto. É tudo tão simples, diz ele, tão primitivamente simples, que os momentos de trégua são o verdadeiro milagre.

De facto. Pensemos nos atentados de Nice, Berlim, Londres - sob a perspectiva de um terrorista. Não é preciso viajar para o Oriente Médio. Não é preciso mortificar o corpo com treinos militares e outras violências. Não é preciso comer sopa de camelo e torrar sob o sol inclemente do deserto. Não é preciso, sequer, um conhecimento aprofundado sobre o fundamentalismo islâmico e o islamismo (não são a mesma coisa).

A internet, primeiro, e um veículo, depois, transformam qualquer um em "mártir". O próprio "Estado Islâmico", nas suas proclamações assassinas, não se cansa de o repetir: tudo serve para matar o "infiel". Embora o pessoal do Daesh prefira camiões - velozes e com rodas potentes - por razões que me escuso a detalhar.

Por outras palavras: os instrumentos são, digamos, instrumentais. O que conta é o resultado. E, claro, a vontade insana de matar e de morrer. Com um carro, uma faca, uma pedra e um total desprezo pela vida humana (dos outros e do próprio), o serviço está feito e, através da mídia, amplificado. 

Como se responde a isto?

Os especialistas falam em vigilância e policiamento: por cada atentado que conhecemos, há um número indeterminado de tentativas que foram evitadas a tempo. Abençoados sejam.

Mas como vigiar, 24 horas por dia, sete dias por semana, milhares de suspeitos que as forças policiais já conhecem? Que fazer quando um deles dirige um carro ou compra uma faca de cozinha? E que fazer, sobretudo, aos nomes que ainda não se conhecem?

É dfícil escutar. É difícil admitir. Mas a Europa, por tempo indeterminado, terá de aprender a viver com o terrorismo. Meses atrás, li na revista "The Atlantic" uma matéria de Uri Friedman sobre a forma como Israel reage a um atentado.

Nos primeiros três minutos, cabe a qualquer civil responder à emergência se os profissionais ainda não tiverem chegado. Em 20 minutos, todas as vítimas têm de ser transportadas para o hospital. Em 2 ou 3 horas, o local deve estar "limpo" de qualquer sinal de destruição. Em poucos dias, é como se nada tivesse acontecido.

A filosofia por detrás desse protocolo é sagaz: não se deve conceder a um atentado terrorista qualquer tratamento especial. Eles acontecem - como os acidentes de trânsito. A melhor forma de lidar com a insanidade dos "lobos solitários" é reduzi-los a um estatuto marginal. O que eles fazem é grotesco. 

Mas mais grotesco seria premiá-los com horas e horas de propaganda midiática e comoção nacional.

Ainda não estamos nesse patamar (Israel leva várias décadas de avanço). Os nossos jornais e tv's, em "loop" obsessivo, dedicam a cada um dos casos uma atenção que só engrandece as alcateias. As alcateias e, já agora, os políticos oportunistas e mendazes que prometem uma cura total para uma doença que fará sempre as suas vítimas.

Sim, vencer o terror é lamentar essas vítimas. Mas jamais dedicar aos carrascos igual tempo ou energia.