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Monitores da Odebrecht: Otavio Yazbek (sem gravata) e Charles Duross |
RAQUEL LANDIM
RICARDO BALTHAZAR
Folha de São Paulo
Yazbek: Sem antecipar o plano de trabalho, um tema que vamos ter que lidar é a descentralização da tomada de decisões dentro da empresa.
Yazbek: Sim, e isso nos demonstra que, embora estejamos ouvindo muito dos executivos sobre a importância da descentralização, algumas coisas não funcionavam bem assim.
Duross: Está mudando e precisa mudar. Baseado no pouco contato que tive até agora com a empresa, concordo que confiança é um componente importante da cultura, mas provavelmente levou a algumas das questões (de corrupção) que discutimos hoje.
Yazbek: Os monitores são necessários para garantir essa mudança de cultura. Quando há um ato isolado de corrupção, a empresa pode fazer um acordo, mas não precisa de um sistema de monitoramento de longo prazo.
RICARDO BALTHAZAR
Folha de São Paulo
Nos últimos dias, o americano Charles Duross e o brasileiro Otavio Yazbek estiveram "imersos" na sede da Odebrecht, em São Paulo, analisando dados e fazendo entrevistas com os principais executivos.
Eles são os "xerifes" indicados pelo Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DOJ) e pela Força Tarefa da Lava Jato para monitorar a empresa pelos próximos três anos e garantir que não voltará a praticar atos ilícitos.
O plano de trabalho será finalizado nas próximas semanas, mas os advogados já identificaram suas principais preocupações: a cultura patriarcal da Odebrecht, a descentralização da tomada de decisões, e a dificuldade de rastrear o fluxo do dinheiro.
Em entrevista à Folha, Duross e Yazbek disseram, sem citar nomes, que vão vigiar de perto os 26 dos 77 delatores que foram mantidos na empresa e também seus parentes e pessoas relacionadas.
Segundo apurou a reportagem com pessoas próximas aos advogados, a liderança do fundador, Emilio Odebrecht, no processo de reconstrução da companhia gera desconforto já que ele sabia de todo o esquema de corrupção.
"Às vezes é necessário manter essas pessoas, porque sua saída pode gerar problemas para a empresa. Mas tem que vigiar o que estão fazendo e talvez até restringir suas possibilidades de atuação", disse Yazbek, sócio do escritório Yazbek Advogados e ex-diretor da CVM (Comissão de Valores Mobiliários).
Para Duross, que supervisionou por 15 anos os processos de monitoramento no DOJ, a Odebrecht precisa mudar sua visão patriarcal em que controles são vistos como sinal de falta de confiança nos executivos, porque grandes companhias precisam de verificação e investigação.
"A confiança é um componente importante da cultura da empresa, mas provavelmente levou a algumas questões (casos de corrupção) que discutimos hoje", disse.
Os executivos da Odebrecht vem insistindo nas conversas que a companhia precisa manter a autonomia de suas diferenças áreas de negócios, mas os monitores acreditam que isso pode dificultar a adoção do sistema de compliance, um conjunto de regras para prevenir e punir a corrupção.
A Odebrecht possui quase uma centena de subsidiárias e diversas contas offshore, que deixam a empresa opaca aos mecanismos de controle. Os monitores contrataram uma empresa de investigação forense para mapear a estrutura e rastrear transações que representem riscos. "É central controlar o fluxo do dinheiro", disse Duross.
O monitoramento em casos de corrupção é comum nos Estados Unidos, mas chega pela primeira vez no Brasil. Aceitar a presença de monitores externos fiscalizando suas atividades foi uma das condições impostas pelas autoridades para fechar um acordo de leniência com a Odebrecht.
O acordo de leniência deve permitir que a empresa volte a fechar contratos com o setor público, o que é fundamental para recuperar a credibilidade com os clientes e o crédito junto aos bancos. Desde a explosão da Operação Lava Jato, a Odebrecht enfrenta uma grave crise financeira.
Questionados sobre qual seria um resultado bem sucedido de seu trabalho, ambos responderam que gostariam que a Odebrecht se tornasse uma referencia no combate à corrupção, a exemplo da alemã Siemens. "Mas ainda estamos muito longe disso. Estamos só no começo", ressalta Duross.
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Qual é a função de um monitor externo num caso de corrupção?
Duross: O que muitas pessoas não entendem sobre os monitores independentes é que não trabalhamos para o DOJ (Departamento de Justiça dos EUA) ou para a companhia.
Duross: O que muitas pessoas não entendem sobre os monitores independentes é que não trabalhamos para o DOJ (Departamento de Justiça dos EUA) ou para a companhia.
Nosso trabalho não é conduzir uma investigação interna, mas verificar se a companhia cumpre com as obrigações assumidas com as autoridades.
Por isso, temos que garantir que a empresa deixou de violar a lei e conferir se estão efetivamente adotando um sistema interno de compliance.
Qual é a primeira impressão dos senhores sobre a Odebrecht?
Duross: Nesta semana, tivemos reuniões com executivos da empresa —líderes e os responsáveis por compliance. Minha impressão inicial é que existem boas pessoas na companhia, dedicadas e apaixonadas pelo que fazem, mas nosso trabalho não é confiar, mas verificar.
Os senhores já tem um diagnóstico sobre o que precisa ser feito?
Yazbek: Estamos no meio desse processo. O objetivo das conversas que tivemos nessa semana foi extrair informações e impressões que estarão refletidas no nosso plano de trabalho. Nas próximas semanas, teremos uma primeira versão desse plano.
Quais aspectos do funcionamento da Odebrecht mais preocupam os senhores?
Yazbek: Sem antecipar o plano de trabalho, um tema que vamos ter que lidar é a descentralização da tomada de decisões dentro da empresa.
Dá para entender que seja importante para o modelo de negócios, para empoderar os executivos, mas pode afetar a capacidade da empresa de criar um programa de compliance efetivo.
Às vezes é preciso um controle central sobre as transações financeiras para reduzir a opacidade de uma empresa.
Duross: Tenho duas preocupações. Primeiro, é central controlar o fluxo do dinheiro. Segundo, o programa de compliance é relativamente novo para a empresa.
Um dos nossos objetivos é ajudar nesse processo.
Nosso papel é criticar: quando fizeram um bom trabalho, diremos, mas, quando puderem fazer melhor, também.
Pelo que sabemos até agora das delações dos executivos, as decisões de pagamento de propina eram bastante centralizadas.
Yazbek: Sim, e isso nos demonstra que, embora estejamos ouvindo muito dos executivos sobre a importância da descentralização, algumas coisas não funcionavam bem assim.
O que é importante para nós é que garantir que toda a operação seja abrangida pelo programa de compliance. Os riscos devem ser mais ou menos os mesmos.
Como os senhores vão rastrear o fluxo de dinheiro na Odebrecht, uma organização com dezenas de subsidiárias e contas offshore?
Duross: Não sou um contador. Contratamos uma empresa de investigação forense. Não quero me antecipar ao trabalho deles, mas há maneiras de fazer amostragens e identificar transações estranhas que representem riscos.
Na Odebrecht, parentes trabalham juntos e controles internos são vistos como sinal de desconfiança. É possível mudar isso?
Duross: Está mudando e precisa mudar. Baseado no pouco contato que tive até agora com a empresa, concordo que confiança é um componente importante da cultura, mas provavelmente levou a algumas das questões (de corrupção) que discutimos hoje.
Em organizações grandes, precisamos de processos de verificação: controles internos, investigações, compliance.
Empresas que já enfrentaram desafios similares também implementaram medidas de controle interno e robustos sistemas de compliance e se tornaram empresas mais saudáveis e lucrativas no futuro.
Yazbek: Os monitores são necessários para garantir essa mudança de cultura. Quando há um ato isolado de corrupção, a empresa pode fazer um acordo, mas não precisa de um sistema de monitoramento de longo prazo.
É muito importante o monitor como crítico do processo e que pode apontar o dedo para o que deve mudar e dizer isso para as autoridades. Por natureza, não é um processo simples.
Como os senhores vão confiar numa empresa na qual 77 executivos, incluindo os donos, admitiram à polícia que corromperam políticos e servidores públicos?
Duross: Sim, é muita gente. Por isso, nosso trabalho é monitorar, verificar, fazer as perguntas difíceis e demandar boas respostas.
Pela minha experiência, mesmo que fossem 100 pessoas envolvidas com corrupção, a Odebrecht tem mais de oito mil funcionários. Ou seja, há muitas pessoas que querem fazer um bom trabalho.
Não estou sugerindo que 77 é um número pequeno, mas provavelmente há pessoas que trabalharam na Odebrecht por décadas que não estavam envolvidas em nada disso.
Muitos executivos que lideram a empresa hoje estiveram envolvidas ou são parentes de pessoas envolvidas com corrupção. Os senhores se sentem confortáveis com isso?
Duross: Na avaliação de qualquer organização, é preciso avaliar a conduta passada, não apenas da empresa, mas também dos indivíduos. Vou repetir: não é apenas confiar, mas verificar.
Duross: Na avaliação de qualquer organização, é preciso avaliar a conduta passada, não apenas da empresa, mas também dos indivíduos. Vou repetir: não é apenas confiar, mas verificar.
Indo direto ao ponto, existem pessoas na organização que estiveram envolvidas em irregularidades no passado. Vamos ficar de olho nessas pessoas e avaliar, porque é uma questão importante a ser observada. É um risco. Não vamos ignorá-lo.
Yazbek: Tem que ser um risco calculado. Às vezes é necessário manter essas pessoas, porque sua saída pode gerar problemas para a companhia.
Mas você precisa ter um olhar diferente para o que estão fazendo e talvez até restringir suas possibilidades de atuação.
As avaliações periódicas dos monitores serão públicas?
Duross: Nos EUA, o relatório é entregue ao governo, neste caso, o DOJ. São documentos confidenciais, porque tem muitos dados estratégicos. A avaliação do DOJ —e eu concordo com ela— é que é importante que a companhia seja transparente.
Duross: Nos EUA, o relatório é entregue ao governo, neste caso, o DOJ. São documentos confidenciais, porque tem muitos dados estratégicos. A avaliação do DOJ —e eu concordo com ela— é que é importante que a companhia seja transparente.
Que os funcionários estejam confortáveis em discutir com os monitores sobre novos projetos, locais de operação, novos produtos —são informações muito sensíveis. Se houver o risco de isso ser divulgado pelo relatório ser publicado, prejudica o nosso trabalho.
Logo hoje esses relatórios não são públicos. Existe uma discussão nos EUA com a imprensa pedindo acesso nos casos Siemens e HSBC. Isso está em curso.
Yazbek: No Brasil, ainda não sabemos qual será o regime de transparência desses relatórios. Acredito que, num primeiro momento, não serão públicos, porque aqui também vale a mesma lógica.
Mas, nos últimos meses, vemos como documentos dentro de um processo judicial acabam sendo vazados para a imprensa. Do nosso lado, não haverá vazamentos.
A companhia está enfrentando dificuldades financeiras. O monitoramento pode piorar essa situação?
Duross: Certamente não é nosso objetivo. O mandato do monitor é ser firme, mas justo. Vamos examinar transações, o programa de compliance, mas também é importante evitar rupturas dentro da empresa. Mas não estamos envolvidos na situação financeira da empresa.
Duross: Certamente não é nosso objetivo. O mandato do monitor é ser firme, mas justo. Vamos examinar transações, o programa de compliance, mas também é importante evitar rupturas dentro da empresa. Mas não estamos envolvidos na situação financeira da empresa.
Yazbek: Avaliar a situação financeira da empresa está fora do nosso mandato, mas obviamente temos que observar, porque pode afetar o programa de compliance, o humor das pessoas dentro da empresa.
Por que as autoridades americanas decidiram trabalhar com dois monitores?
Cada caso é único. Quando a companhia não é americana, em algumas circunstâncias, o DOJ teve monitores estrangeiros, em outras, monitores americanos que trabalhavam de perto com consultores locais, que são muito importante para entender as leis locais e as questões regulatórias.
Cada caso é único. Quando a companhia não é americana, em algumas circunstâncias, o DOJ teve monitores estrangeiros, em outras, monitores americanos que trabalhavam de perto com consultores locais, que são muito importante para entender as leis locais e as questões regulatórias.
O que é único nesse caso é que temos um monitor escolhido pelos EUA e outro pelo Brasil. Uma das vantagens é temos mais fiscalização, mais experiência, mais recursos, o que é muito importante num caso desse tamanho.
Por outro lado, não queremos ineficiência e trabalho duplicado, nem atrapalhar a empresa desnecessariamente. Por isso é muito importante trabalharmos juntos e isso está acontecendo.
Existe hoje uma colaboração muito estreita entre o DOJ e a Força Tarefa da Lava Jato. Dado esse nível de cooperação, não estou surpreso com essa escolha pelo duplo monitoramento. Pensamos em nós como um time único.
O que os senhores considerariam um resultado bem sucedido do seu trabalho ao final dos três anos de monitoramento?
Yazbek: O resultado é a companhia terminar com um programa de controles internos que seja reconhecido como um paradigma no setor, que efetivamente impeçam práticas de corrupção que houveram no passado, mas mantenha a companhia funcionando de maneira eficiente.
Yazbek: O resultado é a companhia terminar com um programa de controles internos que seja reconhecido como um paradigma no setor, que efetivamente impeçam práticas de corrupção que houveram no passado, mas mantenha a companhia funcionando de maneira eficiente.
Duross: A Odebrecht não é a primeira empresa que teve uma crise por corrupção. Siemens é o exemplo perfeito disso. Muitas pessoas estavam envolvidas em corrupção e continua sendo o maior caso de corrupção na história do FCPA.
Mas a Siemens hoje mudou muito e tem hoje um sistema de compliance que é modelo mundial, copiado por outras empresas. Eu espero que Odebrecht possa ser esse tipo de companhia, que vire a página e se torne uma líder nessa área.
Mas estamos muito longe disso agora. Estamos muito no começo. Se eles fizerem o que prometeram as autoridades, nós vamos dizer. Se eles não fizerem, nós vamos dizer também.