quarta-feira, 26 de julho de 2017

"Dificuldades devem iluminar os que sonham com 'um Macron' no Brasil", por Igor Gielow

Gonzalo Fuentes - 18.jul.2017/Reuters
French President Emmanuel Macron attend a joint news conference with Switzerland's President at the Elysee Palace in Paris, France, July 18, 2017. REUTERS/Gonzalo Fuentes ORG XMIT: GFM113
O presidente da França, Emmanuel Macron, eleito com plataforma independente em maio

Folha de São Paulo

Um país desencantado com a esquerda que fracassou no poder, flertando com a extrema-direita e vendo um candidato de centro-direita, favorito no figurino mais tradicional, abatido em escândalo. Dessa terra arrasada, emerge um nome desconhecido que mobiliza o eleitorado e derrota a ameaça fascistoide, dominando a cena política a seguir.

Muitos podem ver aí uma alegoria do Brasil de 2018. Mas trata-se da França de 2017, com o surgimento de Emmanuel Macron e seu partido-movimento, o La République En Marche!. Até pelas semelhanças com o quadro brasileiro, não faltaram suspiros pelo sucesso do desconhecido ex-socialista, eleito em maio passado.

Em camadas da "intelligentsia" e do empresariado brasileiro, o sonho de consumo para o ano que vem é "um Macron". Marina Silva (Rede) já vestiu tal túnica em 2010 e 2014, mas sua inapetência para o poder e ambiguidades de ex-petista (se é que, tal como ex-socialista, exista tal coisa) deixaram um rastro de desconfiança.

O prefeito paulistano João Doria (PSDB) empolga parte da parcela PIB desse grupo, mas enfrenta a impermeabilidade dos "progressistas", aspas obrigatórias. Sua encarnação de "outsider" depende da estrutura tradicional que o elegeu em 2016.

Um nome oriundo do "partido da toga", ungido pelo fogo da Lava Jato, tem viabilidade incerta no jogo como ele é jogado, apesar de boas pontuações em pesquisas de Joaquim Barbosa (que gostaria de disputar) e Sergio Moro (incógnita).

Assim, os interlocutores políticos das viúvas da terceira via pestanejaram ao ver Macron sair do nada e assumir Versalhes, digo, o Eliseu. O ex-prefeito paulistano Fernando Haddad gosta da companhia do PIB e anima essa torcida, que ao menos na franja "progressista" vive imersa naquele esquerdismo cor-de-rosa e flácido de Pinheiros e do Leblon que ignora os reais motivos da vergonha que o petista passou nas urnas em 2016.

Mas ele tem o inconveniente de ser do partido de Luiz Inácio Lula da Silva. 

Se estiver em alguma tela de urna, será porque o ex-presidente está impedido, e aí carregará o peso que a cruz chamada PT pregará às costas de qualquer político por alguns anos. E Haddad em uma Rede da vida é hoje menos tangível do que a viabilidade de Jair Bolsonaro.

Enquanto não acham um Macron para chamar de seu, é bom lembrar o que está acontecendo com o presidente francês. Ele tem encantado mais o mundo do que seu eleitorado, como pesquisa divulgada nesta semana indicou.

O "independente" perdeu dez pontos percentuais de aprovação em um mês, algo que só o pesadão Jacques Chirac havia logrado obter em 1995, e tem numericamente menos aplausos que seu antecessor, o impopular socialista François Hollande, tinha na mesma etapa do mandato.

Alguns fatores concorrem para o tombo para 54% de aprovação. Há uma crise interna no governo, com a queda de quatro ministros do partido minoritário da aliança que o elegeu, o MoDem (Movimento Democrata), além da renúncia do comandante das Forças Armadas após o anúncio de um corte profundo no investimento militar em um país envolvido em diversas operações externas e assediado pelo terror islâmico.

Mas esse tipo de crise de governo na França é algo tão recorrente quanto greves e turistas em Paris. Aparentemente, o medo de que Macron realmente faça o que prometeu é o que o está empurrando para baixo. A saber: reforma da Previdência e da balofa lei trabalhista.

Mais uma vez, as narrativas brasileira e francesas se confundem, embora nunca seja demais fazer o aviso de que estamos tratando de países muito diferentes, inseridos em contextos internos e geopolíticos imiscíveis. Há semelhanças, como o amplo poder do mandatário nos dois presidencialismos, sem tantos freios como no caso norte-americano, mas o resto é "whishful thinking".

A pureza ideológica sem ideologia da sigla de Macron é vista numa sociedade politizada como desculpa para arregimentar um balaio de gatos. E o presidente, visto como inexperiente se promissor aos 39 anos, tem mostrado uma inclinação imperial que gera arrepios no berço do republicanismo moderno: calcula cada pose e falou ao Congresso no Palácio de Versalhes, centro da monarquia francesa. Até o nome original de seu partido (En Marche!) evocava as iniciais de seu nome.

Ele tempo de sobra, um mandato de sete anos, para se adequar e virar o jogo. Mas as primeiras dificuldades interpostas mostram que uma coisa é "ser um Macron", outra é governar "sendo um Macron". Que fique o aviso.