segunda-feira, 24 de julho de 2017

"O horizonte dos fundos patrimoniais", por Erika Spalding

Folha de São Paulo


É fato que as entidades que compõem o terceiro setor estão cada dia mais profissionalizadas e dotadas de feições mais modernas de gestão. Nessa linha, os fundos patrimoniais (ou endowments) -fundos permanentes que buscam preservar o montante principal e regrar a utilização dos rendimentos auferidos- vêm ganhando espaço.

As entidades estão buscando desenvolver estruturas que garantam a manutenção de suas atividades no longo prazo e assegurem maior impacto aos seus projetos.

Embora já existam inúmeros fundos em operação, em diferentes estágios de desenvolvimento, há uma demanda comum: a criação de incentivos fiscais adequados para doadores e entidades donatárias.

Nos EUA e Europa, há legislações muito favoráveis às doações e aos endowments. Do mesmo modo, para melhor efetividade do modelo no Brasil, é importante uma legislação que favoreça a sua criação e incentive a doação por parte de indivíduos e empresas.

O Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (lei 13.019, de 2014) prevê a aplicação de recursos de entidades por meio da constituição de fundo patrimonial. A despeito desse primeiro reconhecimento legal, resta uma série de passos a serem dados.

Há uma proposta na Câmara (projeto de lei 4.643, de 2012) e outra, em estágio mais avançado de tramitação, no Senado (projeto de lei 16, de 2015). Ainda que haja progressos no tratamento da matéria, o debate legislativo carece de evoluir quanto à questão dos incentivos fiscais, crucial para o sucesso do modelo.

Hoje, sem regulamentação específica, só uma minoria das pessoas jurídicas -as tributadas pelo lucro real- pode lançar as doações como despesas dedutíveis (até 2% do lucro operacional) e usufruir dos incentivos fiscais de IR sobre doações.

As propostas preveem incentivo fiscal às pessoas físicas, o que é positivo, mas mantêm o statu quo para as pessoas jurídicas tributadas pelo lucro real. Deixam à margem do incentivo todas as empresas tributadas pelo lucro presumido ou optantes pelo Simples.

Nesse aspecto, é necessário chamar a atenção dos legisladores para a necessidade de fomentar a "cultura de doação" não só entre as grandes corporações, mas também para todo o universo empresarial.

Incluir a maioria das empresas no rol de doadores pode ser uma enorme oportunidade para o país avançar com a pauta da responsabilidade social, além de corroborar com o sucesso da implementação dos fundos patrimoniais.

Sobre o mecanismo, seria benéfica a criação de incentivo fiscal com desconto direto no valor devido do IR, ainda que o limite de dedução não seja alto (1%, por hipótese).

Outro ponto que merece atenção dos legisladores (sobretudo nas esferas estaduais), tendo em vista a estreita relação entre os endowments e o recebimento de doações, refere-se ao ITCMD (imposto sobre heranças e doações) e à necessidade de se estabelecer regras de isenção claras e procedimentos ágeis para seu reconhecimento.

Os fundos patrimoniais despontam como solução para inúmeras necessidades do terceiro setor, mas o debate legislativo precisa avançar para o modelo ser amplamente utilizado e bem-sucedido.

ERIKA SPALDING é mestre pela Escola de Direito da FGV e sócia do Barbosa e Spalding Advogados