domingo, 23 de julho de 2017

Tem que ter coragem para processar poderosos, diz procuradora da Lava Jato em São Paulo


Thaméa Danelon. Foto: Divulgação


Julia Affonso - O Estado de São Paulo



Thaméa Danelon integra a recém-criada força-tarefa do Ministério

 Público Federal que vai investigar obras bilionárias do Metrô paulista

 e políticos como o ex-presidente Lula, o ex-prefeito Fernando Haddad,

 deputados estaduais e o ex-chefe da Casa Civil do governo Alckmin



Na avaliação da procuradora da República Thaméa Danelon, para processar ‘poderosos’ são necessários conhecimento jurídico, técnico e uma boa dose de destemor. A procuradora faz parte da recém-criada força-tarefa da Operação Lava Jato, em São Paulo. Doze inquéritos já foram instaurados com base na delação da Odebrecht.
“Tem que ter coragem. Os poderosos nos processam na Corredegoria, entram com ação contra a gente. Tem que fazer nosso trabalho, mas com uma boa dose de coragem”, considera Thaméa.
Ela faz uma previsão sobre o alcance da grande invesitgação. “Não dá para colocar um limite. Ela vai chegar onde tiver que chegar.”
O Supremo Tribunal Federal enviou à Procuradoria da República em São Paulo, 14 petições desmembradas da delação da Odebrecht. Duas se referem ao ex-presidente Lula. Na lista estão ainda supostos ‘pagamentos de vantagem indevida não contabilizada’ em campanhas eleitorais de José Anibal (2010), Alexandre Padilha (2014), Edson Aparecido (2010) – ex-chefe da Casa Civil do Governo Alckmin – e o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (2012). Todos negam enfaticamente terem recebido valores de origem ilícita em suas campanhas ou gestões.
A criação da força-tarefa vai permitir uma melhor organização das investigações ligadas à Lava Jato. Em vez de serem livremente distribuídas dentro do Ministério Público Federal, as apurações têm destino certo: o grupo formado pelos procuradores Thiago Lacerda Nobre, José Roberto Pimenta Oliveira, Anamara Osório Silva e Thaméa.
“Já sabemos que o que vier da Lava Jato, vai acabar vindo, vai vir para um dos quatro”, afirma. Thaméa “Trabalhando em equipe, se eu saio de férias, os colegas já estão familiarizados. Fica mais fácil de organizar o trabalho.”
Segundo a procuradora, a força-tarefa vai facilitar também o contato com autoridades estrangeiras e pedidos de cooperação internacional.
“Eles já sabem quem procurar. Vai facilitar a condução das investigações”, diz.
VEJA A ÍNTEGRA DA ENTREVISTA
ESTADÃO: A criação da força-tarefa em São Paulo indica que a Lava Jato não está no fim?
PROCURADORA DA REPÚBLICA THAMÉA DANELON: Exatamente. Não está no fim, porque a cada semana novos fatos surgem, novas pessoas são apontadas como criminosas, então o serviço não pode parar, tem que apurar. Alcance quem alcançar, chegue em quem chegar tem que continuar. Essa é a maior operação de combate à corrupção da humanidade, de todos os tempos. Três anos não é muito, é até pouco.
ESTADÃO: Por que levou mais de três anos e meio para a formação de uma equipe da Lava Jato em São Paulo?
THAMÉA DANELON: Porque não tinha havido desmembramento para cá. Tinha só havido um desmembramento, no que se refere à Operação Custo Brasil, no primeiro fatiamento do Supremo. Esse fatiamento gerou a operação que investigou o ex-ministro Paulo Bernardo. Só tinha chegado esse caso para cá. Curitiba está trabalhando super bem e o Rio de Janeiro também. Como essas petições chegaram somente nesse ano, a gente estava avaliando quantos casos viriam para analisar se seria interessante criar uma força-tarefa. Conversamos com os colegas de Curitiba, do Rio, não foi uma decisão só nossa e concluímos que seria mais adequado.
ESTADÃO: O grupo vai ter 4 procuradores e receber 14 petições encaminhadas pelo Supremo. O quadro é suficiente?
THAMÉA DANELON: Suficiente nunca é, mas a Procuradoria aqui não pode parar. Tem outras atuações, como no meio ambiente, no consumidor, na saúde, na educação. Não dá para ficar desguarnecida uma área. A criação originária dessa força-tarefa foi os três membros do Núcleo de Combate à Corrupção, dr José Roberto Pimenta Oliveira, dra Anamara Osório Silva e eu, e pedimos para o dr Thiago Lacerda, que é o chefe da Procuradoria, que tem muita experiência, para integrar. Para o início está bom.
ESTADÃO: O fato de os procuradores da força-tarefa não terem exclusividade com a Lava Jato prejudica as apurações?
THAMÉA DANELON: Como está muito no começo, nós optamos por continuar, porque cada um já tem outras operações e investigações. Como está nesta fase inicial, nós pensamos em manter como está. Havendo necessidade de algum colega ficar com exclusividade, isso pode ser pedido.
ESTADÃO: Onde a Lava Jato pode chegar em São Paulo?
THAMÉA DANELON: Não dá para colocar um limite. Ela vai chegar onde tiver que chegar.
ESTADÃO: Entre os citados nas petições que chegaram do Supremo há muitos políticos, entre eles o ex-presidente Lula. Isso dificulta as investigações?
THAMÉA DANELON: Somente veio para nós pessoas que não têm foto privilegiado. Dificultar, não, é o nosso trabalho. Temos que investigar. Se vai ter manifestação a favor, militância, não diz respeito a nossa atuação. O que a gente tem de fazer é investigar o fato. Não é investigar a pessoa, é investigar o fato. Qual é o fato? Valores pagos à empresa tal ou ao político tal. Vamos investigar o fato. Foi pago mesmo para esse político? Sim, então, vamos processar o político ou ex-político. Manifestações externas, a gente tem de respeitar, desde que sejam pacíficas, que sejam de acordo com a Constituição. Mas isso não vai atrapalhar nosso trabalho.
ESTADÃO: Caixa 2 é propina?
THAMÉA DANELON: Nem sempre. Às vezes é um simples caixa 2, um valor não contabilizado. Mas na grande maioria dos casos, que foi até constatado na Lava Jato, em Curitiba, era propina. Não era doação de campanha, não. Eram adiantamentos de propina. Os executivos, empresários doavam, pagavam a propina para no futuro ter a contrapartida. Há casos em que há apenas a doação não contabilizada. Mas grande parte é propina, sim.
ESTADÃO: Qual a expectativa para a chegada da nova procuradora-geral da República Raquel Dodge?
THAMÉA DANELON: A dra Raquel Dodge sempre foi muito combativa, muito séria, muito corajosa. Acho que essa é uma das características mais importantes, porque não é fácil investigar poderoso, não basta ter conhecimento jurídico e técnico. Tem que ter coragem. Os poderosos nos processam na Corregedoria, entram com ação contra a gente. Tem que fazer nosso trabalho, mas com uma boa dose de coragem. Acho que ela tem a coragem necessária. Acredito que ela vai continuar fazendo um bom trabalho nos moldes do dr Rodrigo Janot, que foi um procurador-geral da República extremamente corajoso, combativo. Acredito que vai continuar como tem que continuar. Eu tenho confiança que ela vai fazer um bom trabalho, sim.