quinta-feira, 17 de agosto de 2017

Mais de 2 mil brasileiros têm imóvel em situação ilegal nos EUA

Ana Carolina Neira - O Estado de S.Paulo


Após o fim do prazo para a repatriação de recursos – que permitia a regularização de recursos enviados ao exterior – a Receita Federal identificou mais de 2 mil brasileiros que devem explicar ao órgão como adquiriram imóveis nos Estados Unidos. Uma pesquisa indica que 44% dos 4.765 bens adquiridos entre 2011 e 2015 tem o que a Receita considera “origem suspeita”.
Dinheiro
Na primeira edição do programa, em 2016, a arrecadação total foi de R$ 46,8 bilhões. Foto: Estadão
Na avaliação do sócio-fundador da consultoria americana Hayman-Woodward, especialista em expatriação de pessoas físicas e jurídicas e no desenvolvimento de negócios nos Estados Unidos, Leonardo Freitas, a possibilidade de que esses imóveis tenham alguma ligação com a criminalidade é remota.
“Os órgãos de fiscalização e combate à sonegação e crimes financeiros nos Estados Unidos estão cada vez melhor aparelhados e interligados com seus pares em todo o mundo”, diz. Para ele, a falta de informação e conhecimento dos procedimentos de regularização são os maiores responsáveis pelos dados apurados pela Receita.
O sócio da área tributária do L.O. Baptista Advogados, João Victor Guedes, concorda. Ele explica que graças às políticas da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a troca de informações entre países é grande, inibindo criminosos.
“Autoridades fiscais recebem dados bancários de correntistas brasileiros que vivem no exterior todo o tempo, por isso os crimes são exceção. Na prática existe muito desconhecimento de como declarar imóveis lá fora, tanto do processo quanto da obrigatoriedade”, afirma.
De acordo com as regras do Banco Central, empresas e pessoas residentes, domiciliadas ou com sede no Brasil que possuam valores e bens fora do território nacional que, somados, atinjam ou superem US$ 100 mil devem fazer a Declaração de Capitais Brasileiros no Exterior. Estão inclusos imóveis, carros, investimentos, depósitos feitos em contas bancárias.
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Você sabe o que é repatriação de recurso?
Quando o recurso é conquistado no exterior, não há necessidade de tributação no Brasil. Porém, quando o dinheiro é gerado aqui e levado para fora, é preciso pagar imposto de 15% a 22,5%, variando de acordo com o ganho. O patrimônio mantido fora do País é sempre declarado com base na cotação do dólar, que fechou aos 3,14 nesta quarta-feira, 16.
O vice-presidente de Fiscalização, Ética e Disciplina do Conselho Federal de Contabilidade (CFC), Luiz Fernando Nóbrega, alerta que é justamente o custo um dos fatores que desestimula contribuintes a declararem seus bens no exterior.
"Alguns desses itens podem ter um valor alto. Trazê-los para a legalidade tem um custo inegável, dependendo do quanto vale o ativo e da moeda", afirma.
Passado o prazo para aproveitar o programa de repatriação, Guedes explica que desde que os rendimentos tenham sido devidamente tributados no prazo correto, basta retificar o Imposto de Renda incluindo o imóvel em solo norte-americano. “Se a origem do dinheiro para comprar o imóvel é lícita e declarada, é só fazer constar esse bem”, conta. O passo seguinte é preencher devidamente a declaração exigida pelo Banco Central.

Em casos em que o dinheiro de origem, aquele utilizado para adquirir a casa, não tenha sido tributado, o procedimento é um pouco mais complicado. “A necessidade de retificar as declarações e apresentar tudo ao Banco Central é a mesma. No entanto, rendimentos não tributados deverão passar por esse processo com pagamento de impostos, juros e multa”, calcula João Victor Guedes. Ele ressalta que nos casos em que o contribuinte procura a Receita para regularização dos débitos, a multa aplicada é menor. “Por isso recomendo que a pessoa vá atrás de uma solução. Caso a fiscalização busque o contribuinte, a multa que era de 20% pode chegar a 150% do valor devido.”
O tributarista do escritório Peixoto & Cury Advogados, Rafael Presotto, orienta que os contribuintes verifiquem o valor de todos os seus ativos no exterior somados, além da documentação que comprove a compra ou herança do bem.
“Não dá para contar que, por falta de informações suficientes, a Receita não irá apurar a origem ou fazer uma autuação. É arriscado manter um imóvel, por exemplo, nos Estados Unidos, achando que nunca haverá questionamento”, explica.
O conselho, ele conta, é agir de forma preventiva. “O contribuinte deverá explicar porque perdeu o programa de repatriação e provar como obteve aquele ativo.”
Nesse caso, há a possibilidade de que a Receita Federal exija a prestação de esclarecimentos e cobrança de possíveis encargos.
O programa. A ideia de repatriação de recursos era favorecer os governos federal, estaduais e municipais, reforçando a arrecadação. Na primeira edição do programa, em 2016, a arrecadação total foi de R$ 46,8 bilhões. A declaração previa troca da anistia do crime de evasão de divisas. Já a segunda etapa do programa regularizou um total de R$ 4,6 bilhões de ativos no exterior.

De acordo com a receita federal, pessoas físicas que ficaram de fora do programa deverão retificar a Declaração do Imposto de Renda da Pessoa Física (DIRPF) em relação ao ano-calendário de aquisição da renda ou do ativo e realizar o pagamento do imposto de renda com base na tabela de incidência do IRPF, somado de multa de mora e juros Selic.
No caso de pessoas jurídicas, deve ser feito o registro das receitas ou ativos na respectiva contabilidade e retificação da Escrituração Contábil Digital e a Escrituração Fiscal Digital transmitidas no âmbito do Sistema Público de Escrituração Digital (SPED), além da revisão da Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais (DCTF) e pagamento dos tributos devidos acrescidos de multa e juros Selic.