sexta-feira, 11 de agosto de 2017

"Reformar para pior", por Mary Zaidan

Com Blog do Noblat - O Globo


Depois de a Câmara dos Deputados rejeitar a continuidade das investigações da denúncia de corrupção contra o presidente Michel Temer, as reformas voltaram à baila. Mas com sinal invertido. As da Previdência e tributária, essenciais à saúde econômica do país, têm menos chance de sair do papel do que o arremedo de reforma política que o Congresso pretende aprovar até 2 de outubro, data limite para alterar regras quanto ao pleito de 2018.
Até aí, nada de novo. O script sempre se repete no ano que antecede eleições, com o digníssimo propósito de garantir benefícios aos que já têm mandato. O eleitor? Ele que se dane. Melhor ainda se ele não questionar as mudanças e seus propósitos.
Claro que há boas ideias. Mas, por contrariar interesses dos eleitos, elas acabam engavetadas.
Em novembro do ano passado, o Senado aprovou a cláusula de barreira, mecanismo que impede a proliferação endêmica de partidos políticos, e o fim das coligações em eleições proporcionais. As matérias não foram votadas pela Câmara, que, pelas mãos do deputado Vicente Cândido (PT-SP), se debruça em outro projeto de reforma, sob o argumento de ser mais ampla.
E ela até poderia ser caso o interesse não fosse o de garantir a própria pele. A tentativa de emplacar a “emenda Lula”, que proíbe prender políticos até oito meses antes da eleição, é prova cabal disso.
O relatório, que deve ser votado na comissão especial ainda este mês, prevê instrumentos inéditos no Brasil, alguns bastante avançados como a possibilidade de recall para revogação de mandatos de presidente, governador, prefeito e senador. Traz ainda a combinação de voto proporcional com distrital, neste caso com candidatos definidos previamente pelo partido e apresentados em lista fechada, escondendo-os do eleitor. Em sintonia com o século 21, autoriza a propaganda paga na internet, e retrocede décadas ao aumentar as regalias de gênero, estabelecendo mais vantagens para candidatas.
Mas o ponto central, o único que interessa aos políticos, é o financiamento público das eleições, pago pelo contribuinte sem perguntar ao eleitor se ele topa ou não custear candidaturas.
Se aprovada -- talvez até com esquisitices como o Distritão, que só existe na Jordânia, no Afeganistão e em duas ilhas do Pacífico, Vanuatu e Pitcairn, mas é defendido por Temer e por parcela significativa dos seus apoiadores --, a matéria terá de voltar ao Senado. Lá, pode ser corrigida ou ainda mais vitimada.
Entre os senadores, a tese do parlamentarismo ressurge – o que sempre acontece quando o país se vê diante de crises - e pode se tornar mais robusta se o tucano José Serra assumir a relatoria da Comissão que tratará do tema.
Ideia, no mínimo, extemporânea. Não devido ao fato de o sistema ter sido rejeitado em plebiscito por duas vezes, em 1963 e 1993. Mas pela necessidade de, antes de adotá-lo, estabelecer vínculos entre o Parlamento e o país, elo que se perdeu há tempos e que não será fácil reconstruir.
Ainda que o parlamentarismo seja um regime de governo com características democráticas indiscutíveis, sua adoção depende de premissas que o Brasil não exibe hoje. E está longe de alcançar. A primeira delas é ter um Legislativo em que o cidadão confie. Que verdadeiramente represente os interesses do eleitor e não o dos que lá se assentam.
Para tal, além de antídoto para sem-vergonhice, seria obrigatório rever os critérios de proporcionalidade, revogando de vez o Pacote de Abril do governo Geisel, e o sistema eleitoral, adotando voto distrital puro ou misto, mais compatível com o parlamentarismo. O modelo também não combina com o voto obrigatório. Portanto, seria imprescindível facultá-lo ao eleitor.
O país teria muito a ganhar em um debate sobre regime de governo e sistemas eleitorais, mas nunca se faz isso a sério. Entra ano, sai ano, de eleição em eleição, todos são unânimes em dizer da essencialidade da reforma política, de se aproximar o eleitor do eleito. E o que se tem é a aprovação de remendos que só aumentam esse fosso.
Estejam certos, desta vez não será diferente.
Batizado com o nome pomposo de Fundo Especial de Financiamento da Democracia, que, coitada, é aviltada cotidianamente, vem aí mais subvenção pública para custear campanhas eleitorais que o país não quer ver, com dinheiro que o país não tem.