quinta-feira, 21 de setembro de 2017

Procuradores reagem a ataques de Gilmar contra Janot e ‘Miller Maçaranduba’

Julia Affonso e Fausto Macedo - O Estado de São Paulo



Ministro Gilmar Mendes. Foto: Daniel Teixeira/Estadão
Os procuradores da República reagiram à manifestação mais dura já desfechada pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, que na sessão plenária da Corte, quarta-feira, 20, defendeu que o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot deveria ter pedido a própria prisão diante do malogro das investigações do caso JBS.
O ministro disse, ainda, que o ex-procurador Marcello Miller, que atuou no gabinete de Janot por três anos, ‘é conhecido como o Maçaranduba’, que emprega ‘métodos policialescos, violentos’ e fechou contrato de consultoria em fevereiro com escritório de advocacia ligado ao grupo JBS, quando ainda exercia as funções no Ministério Público Federal.
Em nota pública, a Associação Nacional dos Procuradores da República – principal entidade da classe – rechaçou ‘os ataques claramente pessoais do ministro em relação ao ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot’.
A ofensiva de Gilmar se deu na sessão em que os ministros decidiram encaminhar à Câmara a segunda flechada de Janot contra o presidente Michel Temer. Sete ministros votaram nesse sentido – apenas Gilmar votou contra e o julgamento será retomado nesta quinta, 21.
Na sessão, sentada à esquerda de Gilmar, estava a nova procuradora-geral da República, Raquel Dodge.
“A avaliação jurídica de fatos por um magistrado é livre e base de sua função jurisdicional”, diz a nota dos procuradores que defende vigorosamente Janot. “Mas é estranho e espanta o País, mais uma vez, assistir a um juiz, a um ministro da Corte Suprema, usar o sagrado assento que ocupa, e suas prerrogativas, para tecer considerações pessoais, com expressões rudes e juízos definitivos sobre um cidadão, um membro de outra instituição, autoridade que sequer tinha ou caberia ter qualquer conduta sob escrutínio da Corte neste momento ou neste processo.”
A nota é subscrita pelo procurador-regional da República José Robalinho Cavalcanti, presidente da Associação.
“Causa profunda espécie, e autoriza imaginar intenções políticas e pessoais, que um juiz, em simples questão de ordem, ultrapasse os limites da petição, ou use palavras e raciocínios de tal agressividade, que sequer a defesa teceu. Trata-se, com a devida vênia, de um abuso de suas prerrogativas por parte de um membro do Poder Judiciário.”
Gilmar disse. “Fico a imaginar o constrangimento que hoje cai sobre a Procuradoria-Geral da República em relação a esse episódio, a esse grande e valante procurador (Miller) que usava métodos policialescos para fazer investigação. Eu fico a imaginar.”
O ministro, que foi procurador da República nos anos 1980, seguiu. “Eu sou da turma de 84. Certamete já ouvimos falar de procuradores preguiçosos, de procuradores violentos, alcoólatras, mas não de procuradores ladrões. É disso que se cuida aqui, corruptos num processo de investigação. Essa pecha a Procuradoria não merecia ao fazer investigação criminal.”
Ainda Gilmar. “São elemtnos suficientes para suspender cautelarmente a investigação (contra Temer). Outros membros do Ministério Público tinham conhecimento de investigações paralelas, com gravações clandestinas, provavelmente o signatário da denúncia (contra o presidente, por organização criminosa e obstrução de Justiça), o então procurador-geral da República Rodrigo Janot. De resto, não fica nenhuma dúvida de que o procurador-geral de então sempre teve postura contrária à apuração transparente.”
Gilmar propôs. “Ele (Janot) que vivia de dedo em riste, como o Simão Bacamarte, no ‘Alienista’, eu até disse que Sua Excelência poderia ter um desfecho mais glorioso, pedindo ao ministro Fachin (relator do caso JBS) a sua própria prisão provisória, como Simão Bacamarte fazendo sua internação em Itaguaí. Mas ele não teve coragem para isso. Seria mais digno do que ele acabou por fazer nessas tantas trapalhadas.”
“Estive em Paris e encontrei com ex colegas desse procurador Miller, diplomatas, e também em conversas com advogados que estiveram no gabinete no Itamaraty, disseram que esse indivíduio ficou conhecido como ‘Maçaranduba’ pela sua grosseria. Era um tipo do policial mau que nas suas investigações fazia ameaças às pessoas. Ele seria o autor, inclusive, dessa prosopopeia, um vexame, um vexame.”
A entidade dos procuradores afirma. “Com objetivo de criar o pano de fundo para críticas gratuitas e sem nexo jurídico a Janot, o ministro Gilmar Mendes tomou como verdades informações oriundas de gravações ainda sob investigação e declarações na imprensa de investigados sobre os quais manifesta a opinião de serem envolvidos com crime.”
“Sorte para o País que os elementos mal costurados por Sua Excelência, com destaque para o áudio gravado entre denunciados Joesley Batista e Ricardo Saud – estão a luz de todos. Pois bem: seja na oitiva destes áudios, seja na avaliação de qualquer outro meio de prova citado pelo ministro Gilmar, não há elementos que permitam concluir sequer levemente que o então PGR Rodrigo Janot tinha ciência das atividades dos delatores ou de possível participação de irregular de um ex-membro de seu gabinete nas negociações. Muito ao contrário, o que parece muito claro haver é um esforço para se aproximar do então PGR, o que seria descabido e desnecessário se houvesse a cumplicidade já lançada (sem qualquer base), pelo ministro Gilmar Mendes.”
“Também irresponsável e lamentável de parte do Ministro Gilmar foi tentar lançar na lama nomes de outros membros do MPF – o procurador da República Anselmo Lopes e o procurador regional da República Eduardo Pelella –, sem qualquer elemento para tanto. Não há nada que os desabone nos áudios citados nem lógica na conversa desconexa em que os delatores citam seus nomes”, segue a nota da Associação.
“Não precisa, de toda a forma, preocupar-se o ministro ou o País com falta de apuração, pois a situação já está sob investigação. E investigação não derivada da vontade ou de arroubos do ministro Gilmar, ou mesmo de ordem – por mais respeitável que seja – da Presidente do Supremo, mas sim investigação determinada, antes do STF, pelo próprio MPF, como de fato cabível. O PGR Rodrigo Janot, de forma impessoal e transparente, assim que recebidos os elementos que demonstravam irregularidades, determinou a investigação, sem qualquer hesitação. O Ministério Público não tem compromisso com nada que não com a verdade, e não teme qualquer luz.”
“A ANPR repudia qualquer ataque aos membros do Ministério Público Federal, em especial, ao ex-procurador-geral da República que conduziu a instituição de forma exemplar nos últimos quatro anos, fazendo dela referência no combate à corrupção. Atacar um membro do Ministério Público Federal em razão do lídimo exercício da função é atacar a todos, e estão absolutamente enganados aqueles que, no STF, em outras instituições ou no País julgam que por não estarem mais eventualmente na titularidade de alguma posição estariam sozinhos, e buscam os atacar para enfraquecer a instituição ministerial. Todos os Procuradores da República estão e estarão com eles.”