sábado, 18 de novembro de 2017

"Cidade dos espectros", por Ruy Castro

Folha de São Paulo


Quando se pensa em cidades sombrias, com fantasmas e casarões mal assombrados, logo nos vêm à cabeça Londres, Nova Orleans, Praga e até Paris. O Rio, não —como abrigar almas penadas e históricas naqueles cartões postais?

Mas, atenção. E os indígenas chacinados na guerra entre franceses e portugueses, em 1555-1565, onde hoje fica o bairro da Glória? E os milhões de escravos desembarcados no cais do Valongo nos séculos 18 e 19? E Tiradentes, que, em 1792, saiu da Cadeia Velha, sitio da atual Assembleia Legislativa, para a forca? E dona Maria, a rainha louca, que morreu aos gritos em seu convento no Paço Imperial, em 1816? E a lendária Bárbara dos Prazeres, que, na mesma época, fazia ponto no Arco do Telles e bebia o sangue de criancinhas que sequestrava? Não dariam grandes fantasmas?

E os espectros da Ilha Fiscal, em que se transformaram os que compareceram ao último baile do Império, em 1889? E a casa de Laurinda Santos Lobo em Santa Teresa, ocupada e saqueada por mendigos e delinquentes nos anos 40, e hoje o Parque das Ruínas? E o Palácio do Catete, onde Getulio se matou em 24 de agosto de 1954 —quem será a figura com um buraco de bala no pijama que às vezes circula pelos corredores?

Esses são alguns dos cenários e personagens de um divertido livro recém-lançado, "Rio, Estado de Espírito - Guia

dos Fantasmas Cariocas". Os textos de Nelson Vasconcelos conservam um saudável ceticismo. Já as fotos de Carlos Monteiro, em lúgubre e glorioso preto-e-branco, mostram um Rio como ele nunca tinha sido fotografado —capaz mesmo de abrigar coisas estranhas.

Se bem que, para mim, todos eles são fantasmas camaradas. Não competem em terror com Brizola, Moreira Franco, o casal Garotinho, Benedita da Silva, Sérgio Cabral e Pezão, espectros que nos desgovernaram em carne e osso.