sábado, 18 de novembro de 2017

Em estreia como documentarista, Heitor Dhalia registra mestres da ioga

Amanda Nogueira - Folha de São Paulo


Movido a uma curiosidade não saciada por sua formação cética, Heitor Dhalia buscou, em seu primeiro documentário, respostas para perguntas metafísicas e filosóficas.

Em "On Yoga - Arquitetura da Paz", em cartaz desde quinta-feira (16), mestres, gurus, santos, médicos, pensadores e praticantes da ioga falam sobre temas como morte, dinheiro, ego e felicidade.

"Queria ouvir esses caras sobre as questões da ansiedade do mundo contemporâneo", diz o pernambucano à Folha. "O que gurus e guardiões de uma tradição de 5.000 anos têm a dizer?"

O cineasta recebeu a reportagem no set de gravação de seu próximo filme, "O Diretor", previsto para estrear em 2018 –ainda neste ano, ele lança "Tungstênio", adaptação da graphic novel de Marcello Quintanilha.

Diretor de filmes como "À Deriva", "O Cheiro do Ralo" e "Serra Pelada", Dhalia diz que o projeto foi um "acidente feliz" em sua carreira estabelecida na ficção.

"A ficção é uma tentativa de tradução do mundo pela representação. O documentário também, mas com ferramentas diferentes, ele recorta a vida em uma tentativa de apreender a realidade", explica. "Agora quero ver se consigo fazer um sem ser tão acidental assim", brinca.

A ideia de realizar o documentário veio de seu amigo Alcir Lacerda Filho, produtor da Urso Filmes, que apresentou-lhe o trabalho do fotógrafo americano Michael O'Neill, cujo livro nomeia e serve de ponto de partida para o filme.

Ao contrário de Dhalia até então, O'Neill havia construído uma história íntima com a prática indiana desde que perdeu o movimento de um braço após uma cirurgia, o que inviabilizaria seu ofício.

O fotógrafo não somente recuperou a mobilidade como passou a retratar os mestres da ioga em uma jornada que durou cerca de uma década. São eles, assim como O'Neill, que dialogam com o filme de Dhalia, gravado na Índia e nos EUA em uma fração de quatro meses em 2016.

"Foi no susto mesmo", diz Dhalia, que tinha como referência temporal um festival de ioga em Rishikesh, aos pés do Himalaia, no norte da Índia.

"O prazo era apertado e isso me obrigou a tentar fazer o documentário usando os princípios dessa filosofia, como zerar o ego, adequar minha escuta e construir a narrativa a partir dela", diz.

Ele mesmo se tornaria a partir das filmagens um adepto da ashtanga, vertente vigorosa da prática que sincroniza respiração com série de posturas já preestabelecida.

O filme oscila entre personagens com convicções categóricas e outros que arriscam palpites. "São tentativas de interpretação, especulações e crenças", diz Dhalia, que afirma não se interessar pelo que "vira dogmático". "Sou totalmente contra fundamentalismo, princípios religiosos rígidos e qualquer formação que tente trazer conduta de valores morais conservadores".

Sensorial e imersiva, a produção poderia debandar como uma sequência de frases feitas imersas em cenas visualmente arrebatadoras, mas escapa da superficialidade calcada na diversidade dos personagens, que representam variadas experiências de vida e linhagens da ioga.

"A ioga é muito visual, sabia que seria lindo, mas, com meu background, não faria um negócio em que não acredito", afirma Dhalia. "Queria gerar a reflexão de uma experiência acima de você, o que chamam de Deus ou universo, que tem a ver com a tentativa de entender o sentido da experiência humana."