sábado, 18 de novembro de 2017

Prerrogativas para proteger mandato servem de blindagem, por Vera Magalhães

O Estado de São Paulo


A decisão da Assembleia Legislativa do Rio de revogar a prisão de Jorge Picciani e outros dois deputados estaduais levou a uma interpretação, corroborada inclusive por alguns juristas e ministros do Supremo Tribunal Federal, de que a decisão da própria Corte no caso Aécio Neves havia servido de base para a soltura.

Ocorre que é a própria Constituição, em seu artigo 53, que estabelece que parlamentares não podem ser presos, a não ser em flagrante de crime inafiançável. O mesmo artigo afirma de forma textual que, ainda nesses casos, cabe à Casa Legislativa aprovar ou não a prisão. Outro artigo, o 27, estende a deputados estaduais as imunidades e inviolabilidades estabelecidas pela Carta aos congressistas.

O ministro Marco Aurélio Mello foi um dos que disseram, nesta sexta-feira, que a decisão sobre o caso Aécio era restrita a congressistas e, portanto, não extensiva aos deputados estaduais. Mas não levou em conta o fato de que, no julgamento referente ao senador mineiro, o STF decidiu sobre medidas cautelares, e não prisão.

Ainda que os casos sejam diferentes, é curioso que, nos debates do plenário, vários ministros, entre eles o próprio Marco Aurélio, tenham aludido justamente ao risco de aquela decisão ser extensiva às Assembleias.

Na ementa de seu voto, que foi vencedor no caso Aécio, o ministro Alexandre de Moraes salienta que desde a Constituição do Império até a atual as imunidades não dizem respeito à figura do parlamentar, mas às funções por ele exercidas, no intuito de preservar o Poder Legislativo de eventuais excessos ou abusos por parte do Executivo ou do Judiciário.

O problema de decisões como a de sexta-feira na Alerj é que essas prerrogativas que deveriam proteger o parlamentar para o livre exercício do mandato acabam servindo de blindagem para crimes comuns. Uma mudança nessa situação depende de emenda à Constituição ou de uma ação de inconstitucionalidade que leve o Supremo a rediscutir a extensão da imunidade prevista no artigo 53.

Afinal, é lícito que ela valha para crimes comuns, cometidos por meio de organização criminosa e em continuidade delitiva, como é o caso do Rio?