segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

"A Ana e o Senado", por Jerson Kelman

O Globo


Estava dando uma aula na Coppe-UFRJ quando recebi um telefonema que mudou a minha vida. O governador Tasso Jereissati me convidava para acompanhá-lo numa audiência com o presidente Fernando Henrique Cardoso para tratar do tema água. A partir desse encontro, me tornei assessor do ministro Sarney Filho e, em estreita colaboração com a equipe da Casa Civil, trabalhei no projeto de lei para criação da Agência Nacional de Águas (Ana). Menos de dois anos depois, no fim do ano 2000, a lei tinha sido aprovada e eu me tornava o primeiro presidente da nova agência reguladora.

O objetivo da Ana é administrar os rios e lagos, evitando que a soma desordenada dos interesses individuais resulte em prejuízo para o interesse coletivo, o que os economistas chamam de “tragédia do uso dos bens comuns”. No caso dos rios, a tragédia se manifesta na forma de rios secos, devido à desordenada retirada de água, ou em rios poluídos, devido ao lançamento de esgoto sem tratamento.

A Ana não cuida do serviço de água e esgoto, diferentemente da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que calcula as tarifas e fiscaliza a qualidade do serviço de eletricidade. Essa diferença explica parcialmente por que a energia elétrica chega a praticamente todos os lares brasileiros e a coleta de esgoto não chega nem à metade.

Nos primeiros rascunhos de sua lei de criação, a Ana teria a responsabilidade de tratar também da área de saneamento. Todavia, essa prerrogativa se perdeu nas discussões subsequentes porque a Constituição não atribui à União a responsabilidade sobre o saneamento, ao contrário do que ocorre com a energia elétrica.

Há uma discussão dentro do governo sobre a necessidade de aperfeiçoar o marco legal do saneamento para dinamizar o setor. Entre outras medidas, resgata a ideia original de atribuir à Ana alguma responsabilidade sobre a regulação do saneamento, embora de maneira bastante atenuada quando comparada à Aneel. Penso que se trata de uma boa iniciativa, dentro dos limites do legalmente possível.

Essa discussão ocorre quando os mandatos de três diretores da Ana estão prestes a terminar, sendo que o governo já indicou três potenciais substitutos para serem sabatinados pelo Senado, que tem a responsabilidade de verificar se os indicados têm as qualificações exigidas pelo artigo quinto da Lei 9986/2000. Essencialmente, que sejam probos e que tenham elevado conceito no setor a ser regulado.

No caso da Ana, os diretores devem ter conhecimento sobre gerenciamento de recursos hídricos e, supondo que as atribuições da agência venham a ser ampliadas, conhecimento sobre regulação econômica do saneamento.

A saúde das pessoas e a qualidade dos rios dependem de que a Ana exerça eficientemente as suas atribuições, sob a liderança de uma diretoria com capacidade técnica e independência decisória. Para isso, é essencial que o Senado comprove que cada um dos indicados tem as qualificações exigidas pela lei.

Jerson Kelman é presidente da Sabesp e foi presidente da Ana e diretor-geral da Aneel