domingo, 31 de dezembro de 2017

"Caiu nas redes é peixe?", por Rubens Figueiredo

Getty Images/BBC-Brasil
Sensação de prazer gerada por hormônios quando o usuário está nas redes sociais atrai, mas também pode ser fator de risco
Tela de celular com redes sociais

Folha de São Paulo


Redes sociais têm poder monumental de espalhar notícias, viralizar piadinhas, destruir reputações e fazer brotar artistas que se transformam em fenômenos de audiência de uma hora para outra. Mas não são as principais formadoras de opinião na sociedade moderna, como alguns analistas apressados e superficiais apregoam. A tendência é que percam espaço como produtoras de conteúdo no futuro próximo.

As redes criam modismos, acentuam tendências e são fundamentais para mobilizar pessoas quando há um sentimento latente na sociedade (como em junho de 2013). Mas elas operam num ambiente no qual a opinião pública, em determinado momento, está estabelecida.

As redes não alteram, "per se", valores e comportamentos. Podem pôr 100 milhões de robôs "tuitando" a cada minuto que não é para crer em Deus e o brasileiro seguirá, em sua grande maioria, acreditando em Deus.

Um político não tem grande visibilidade nas redes por causa das redes. Ele a tem porque representa algo que é importante para a sociedade. Bolsonaro é um sucesso porque tem postura e discurso que seduz parcela de um eleitorado que perdeu a paciência com a política institucionalizada tradicional.

Contrate os melhores e mais criativos profissionais do mercado, invista milhares de reais impulsionando a página, produza filmes de excelente qualidade para o Youtube e dê vasta publicidade ao ideário de Levy Fidélix. O que acontecerá? Nada.

Nas redes, cada um posta o que lhe dá na telha, mas isso não significa que o usuário acredite no que lê, vê ou ouve. Quando se pergunta ao brasileiro, em pesquisas de opinião, em que meio de comunicação ele confia sempre ou quase sempre, os jornais (59%), rádios (57%), TVs (54%) e revistas (40%) aparecem como os de maior credibilidade. As redes sociais marcam 14%, e os blogs apenas 11%. Os dados são da Pesquisa Brasileira de Mídia, realizada pelo Ibope em 2016.


A praga das "fake news e dos robôs está acarretando monumental crise de credibilidade nas redes como meio de obter notícias confiáveis. Robôs são contas operadas por softwares que geram artificialmente conteúdo e estabelecem interações com usuários de carne e osso.

Você pensa que está debatendo com um petista, mas na verdade está se relacionando com algum algoritmo hospedado num provedor da Índia.

Os robôs fazem com que falsas repercussões sejam criadas nas redes, de tal maneira que seja possível manipular os "trending topics" e enviesar o debate.

Estudo de casos desenvolvido pela Fundação Getulio Vargas mostrou que, durante o episódio da convocação da greve geral para 28 de abril de 2017, robôs foram responsáveis por 22,39% das interações entre apoiadores da paralisação. Mais uma prova de que as redes não induzem comportamentos políticos: a greve foi um fiasco.

Paradoxalmente, a modernidade tecnológica prestará um tributo à tradição. Generaliza-se a ideia de que as redes são um espaço de entretenimento, exposição de sentimentos e manifestações de bom (ou mau) humor, mas uma seara perigosa para se obter uma informação ou uma análise política confiável.

Também não será possível identificar, em tempo real, se os grandes movimentos de opinião presentes nas redes são reais ou inflados por robôs que espalham "fake news".

Aí, crescerão em importância e credibilidade os meios de comunicação tradicionais, que construíram sua reputação ao longo de décadas; e os institutos de pesquisas, que mensuram a opinião de pessoas que pensam e sentem, e não de algoritmos fajutos.

RUBENS FIGUEIREDO é cientista político pela USP, diretor do Cepac (Centro de Pesquisas e Análises da Comunicação) e consultor da Fundação Espaço Democrático