segunda-feira, 11 de dezembro de 2017

"Como vota, candidato? ", por Carlos Andreazza

O Globo


Não basta ser realista e, logo, favorável ao modelo de reforma da Previdência proposto. Não basta discursar. Não se for alguém com meios para fazê-la prosperar



Todo candidato a presidente deveria ser desafiado a responder: é a favor ou contra a reforma da Previdência? Uma questão concreta, especificada ao máximo — a ser respondida sem desvios: é a favor ou contra a reforma da Previdência conforme oferecida, hoje, pelo governo?

Isso porque quem quer presidir o Brasil precisa ser provocado a pisar no mesmo chão daquele ao qual pedirá voto, a se ajustar aos dados da existência objetiva, a se posicionar sobre a proposta que é possível agora. Não é o projeto dos sonhos, nem sequer é o original formulado pelo Executivo, mas um — negociado e mitigado — que, ainda assim, uma vez aprovado, representará economia de R$ 480 bilhões em dez anos. Uma enormidade.

E aí? Falo de realismo e sensatez. Quem pretende governar o fará somente sob as condições que idealiza, ou aplicará o ideal às circunstâncias do tráfego institucional e da atividade política? No caso em que a resposta não for a opção autoritária, pergunta-se: por que a composição — a própria essência do trânsito democrático — que serviria ao hipotético governante não pode ser aceita para aquele que de fato governa? Falo de lógica e discernimento.

Sim, o candidato Fulano pode ter uma proposta melhor. Espero mesmo que a tenha. Mas, se a preparou, se a tem na conta de prioridade, é porque sabe que o sistema previdenciário atual logo colapsará — e que é da ordem da responsabilidade esgrimir com as armas disponíveis no presente. É a posição declarada de João Amoêdo, do Partido Novo: crê que a transformação poderia ser maior, mas apoia o que é ora factível. É isso mesmo: às vezes, muitas vezes, tudo o que se pode fazer é um remendo (de R$ 480 bilhões!), e assim ganhar tempo — talvez cinco anos — para criar as condições a uma intervenção estrutural sobre o problema.

Não há muitas outras formas de avançar. Não numa República; não numa democracia representativa.

E certamente, neste debate, não há lugar para mistificação. Ou melhor: Lula já tem espaço; já tomou esse território; já ocupa o latifúndio da inconsequência. A ele — sujeito que não opera senão com o cálculo da oportunidade eleitoral — não interessa que o projeto tenha como cerne o combate à desigualdade, uma vez que enfrenta, sobretudo, os privilégios do funcionalismo público, notadamente daquela porção que ganha mais, trabalha menos e se aposenta cedo. Não importa. Ao ex-presidente, homem condenado pela Justiça, a verdade tem de ser inconveniente — e então temos a pregação mentirosa de que o governo golpista vai mais uma vez espoliar a classe trabalhadora etc.

Lula depende — historicamente — do “quanto pior, melhor”. Quererá mesmo o senador Álvaro Dias (Podemos-PR) disputar esse terreno — o da empulhação — com o petismo e suas linhas auxiliares? É o que parece. Ou haverá outra forma de encaixar o comentário demagógico — que divulgou nas redes sociais — segundo o qual a reforma não será a “salvação do Brasil” porque não geraria renda, emprego e crescimento econômico? Votará contra, senador?

Não basta, porém, ser realista e, logo, favorável ao modelo de reforma proposto. Não basta discursar.

Não se for alguém detentor de meios para fazê-la prosperar. É preciso botar a mão na massa. Refiro-me a Geraldo Alckmin. Pré-candidato tucano ao Planalto e recém-eleito presidente do PSDB, o governador de São Paulo tem obrigação política de conduzir seu partido a que feche questão pela reforma. Falo de antevisão e liderança. Nada a ver com coragem. Falo de uma obviedade. A modernização do sistema previdenciário é bandeira histórica do PSDB. Falo também, pois, de coerência. Um postulante tucano à Presidência que não seja capaz de unir o partido em prol de elemento fundador de sua própria identidade não passará boa mensagem a que forças de centro — ali onde se resolverá a eleição — agrupem-se por ele em 2018.

E Jair Bolsonaro? É contra ou a favor? É com senso de urgência que a sociedade precisa cobrar alguma resposta do candidato relativa a temas do mundo real. Sua posição sobre a reforma previdenciária é especialmente significativa. Afinal, é deputado federal — e, ao contrário de seus prováveis futuros adversários, o único que terá de votar a matéria na Câmara.

E aí?

Teremos o Bolsonaro real, o da prática estatista, provado e comprovado em seus votos sempre contrários a qualquer mudança que possa afetar os interesses corporativos que representa, aquele que quase sempre, como parlamentar, votou junto com os petistas? Ou o da teoria, o recente, de laboratório, esse do discurso pró-mercado, o que se acercou de economistas liberais e que tateia um papo de redução do tamanho do Estado?

E aí? É tempo de responsabilidade. Não cabem abstenções como “minha equipe trabalha num projeto melhor, que apresentarei no ano que vem”. O país não pode esperar, e o eleitor liberal seduzido por Bolsonaro quer saber: o deputado vai votar como? Contra? E, nesse caso, usando o mesmo argumento do filhote, também deputado federal, que chegou a negar a existência de déficit na Previdência?

Essa resposta — a ser inscrita no painel da Câmara — é decisiva para que o brasileiro saiba se Jair Bolsonaro venceu mesmo a paixão pelo privilégio de classe, ou se está apenas, como creio, empilhando o lustro dos economistas liberais como escada para ascender.

E aí, deputado: como vota? Citará Ustra ou Mises na hora H?

Carlos Andreazza é editor de livros