quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

Filme “Extraordinário” escancara o poder transformador de uma gentileza

Jairo Marques - Folha de São Paulo


Cena do filme "Extraordinário" ("Wonder"), de Stephen Chbosky – Divulgação



Não havia passado nem dez minutos de filme e eu já estava apertando os dedos contra as pernas e esticando os músculos da face para evitar um bafão e me chorar inteiro dentro do cinema.
Estava convicto de que não me renderia a uma armadilha sentimental hollywoodiana tão facilmente, afinal, conheço bem as durezas de levar a vida guardando uma marcante diferença em relação aos outros, tema central de “Extraordinário”, em cartaz nos cinemas.
Foi inevitável desabar, porém, quando Auggie _ nome do personagem do garotinho que protagoniza o filme e que tem uma deformidade marcante no rosto_ pede desculpas por ter “encarado e incomodado”, mesmo que na imaginação, o personagem Chewbacca, de Star Wars, que tem aparência um tanto extravagante.
E é uma sequência de situações em que a gentileza se faz presente ou se faz necessária que vai conduzindo a gente para um estado periclitante de querer rever atitudes, de chegar em casa o mais rápido possível para abraçar as crianças e dizer a elas: “Sejam sempre gentis”.
Educar para a tolerância, para a compreensão da diversidade, para agir em prol da união e contra preconceitos, sem ranços e sem ceder aos empolados manuais do politicamente correto, é tão humano e tão edificante como é também desafiador e inquietante.
Mas presenciar um filho combatendo uma injustiça, agindo contra uma discriminação e praticando gentileza é como ganhar uma nova chance de fazer do planeta, do país, da casa lugares mais harmoniosos e com menos sequelas em seu caráter.

Cena do filme “Extraordinário” (“Wonder”), de Stephen Chbosky. Elenco: Julia Roberts, Jacob Tremblay, Owen Wilson.

A grande sacada de “Extraordinário” não é o sofrimento e a angústia do pequeno que tem de encarar o mundo com sua deformidade indisfarçável, mas, sim, a de mostrar que cada um de nós, em algum momento, precisamos ser olhados além de nossas carapaças, nossos trajes sociais de bonzinhos, de tolerantes, de escroques, de feios, de bonitos ou de rabugentos.
A teia que tenta dar suporte a Auggie vive seus próprios dilemas e, com isso, vai ampliando as identidades com o expectador que fica cada vez mais consternado, comovido e envolvido.
É a mãe que se anula para tentar melhorar a realidade do filho e a encorajá-lo para enfrentar o lá fora, a irmã que cresce tendo de compreender que terá menos espaço de atenção, o colega de sala que vive o dilema entre ser amigo ou ser da turma.
Todo “serumano”, em algum momento, durante sua batalha de existir, vai precisar de uma mão, de uma oportunidade, de uma bandeira branca, de um aceno ou de um beijo. Ampliar a capacidade de captar que é “a vez do outro”, calibrar o desconfiômetro que aponta para a crueldade e desvirtudes resultam sempre em ações que podem levar o bem para alguém.
O filme passa longe de ser uma obra cinco estrelas, pois cai nas batidas esparrelas de querer compensar os desgastes e dores dos personagens com vitórias homéricas e lições de moral, assim como “pune” quem não se comporta bem, o que afasta demais a trama de uma maior similaridade com a vida real.
Entretanto, o caldo que se extrai de “Extraordinário” é como um néctar doce que cai tão bem para a alma nesses tempos natalinos. Deixe-se contaminar com o poder de uma gentileza.