sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

Alívio, mas nem tanto - Inflação é a menor em duas décadas, mas a sensação de preço baixo não chega à classe média

Marcelo Sakate - Veja



 (Arte/VEJA)
As perspectivas de reequilíbrio das finanças públicas não são encorajadoras. A reforma da Previdência parece um plano cada vez mais distante, e isso serviu como gatilho para o novo rebaixamento da nota de crédito do país, pela agência Standard & Poor’s. Mas, como alento, existem sinais sólidos de retomada do crescimento. Outra boa notícia foi a queda na inflação, que beneficiou sobretudo os mais pobres. O índice geral de reajustes ficou em 2,95% em 2017. Trata-se da menor taxa desde 1998. Muitos brasileiros, porém, questionam como é possível uma taxa tão baixa (para os padrões do Brasil) com tantos reajustes de preços, principalmente em serviços como planos de saúde e mensalidades escolares, além de combustíveis. Na verdade, todos estão certos: os consumidores que reclamam e os estatísticos oficiais que noticiam inflação baixa. “A inflação de cada pessoa ou família depende de seus hábitos de consumo e do nível de renda. Há vários fatores que influenciam a forma como nós percebemos a inflação”, diz André Braz, coordenador de índice de preços do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV).
O Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) do IBGE leva em conta o orçamento de famílias que ganham entre um e quarenta salários mínimos. É uma média tirada com base em um amplo espectro. Nessa família imaginária, os gastos com alimentação e bebida representam quase um quarto do orçamento mensal. Quanto menor a renda, maior o peso das despesas com comida; na outra ponta, brasileiros com salários mais altos gastam menos, em termos proporcionais, com alimentação e costumam desembolsar mais com educação, saúde e lazer. Um cálculo do Ipea dá a dimensão do impacto distinto: a inflação das famílias cuja renda mensal é inferior a 900 reais ficou em 2,2% em 2017, abaixo portanto do índice geral, de 2,95%. Para as famílias com renda superior a 9 000 reais, a variação chegou a 3,7%, bem acima do índice geral.
Famílias com crianças em idade escolar são diretamente afetadas pelo reajuste das mensalidades nas escolas. Para os idosos, reajustes de planos de saúde e medicamentos consomem boa parcela do orçamento. Como serviços médicos e de educação subiram bem acima da inflação média no ano passado, o aumento atingiu em cheio a classe média. Os planos de saúde individuais, com 8,2 milhões de usuários, sofreram um reajuste de 13,5% autorizado pela Agência Nacional de Saúde (ANS). Essa é uma tendência que vem de alguns anos: de 2012 a 2017, a alta chegou a 85%, quase o dobro da inflação geral do período, de 44%.
A incorporação de novos tratamentos e medicamentos no rol de coberturas obrigatórias e o aumento do número de exames requeridos pesam para as operadoras, o que acaba sendo repassado para as mensalidades. “São reajustes aquém daquilo que julgamos adequado para cobrir o aumento de gastos”, diz Reinaldo Scheibe, presidente da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge). O indicador de custos médico-hospitalares, que serve de referência para o setor, teve variação de 20,4% em 2016.
SÓ ENCARECE – Sala para análise de exames médicos: alta de 13,5% dos planos de saúde (Fabiano Accorsi/VEJA)

Saúde é apenas uma fonte de pressão no orçamento da classe média. O custo da educação teve um reajuste médio de 7,1% no ano passado. Alguns preços administrados, que dependem de aval do governo, também subiram fortemente: a tarifa de energia elétrica residencial e o valor da gasolina ficaram 10,3% mais altos. No primeiro caso, o reajuste foi explicado pela falta de chuvas onde estão as maiores usinas hidrelétricas; já o combustível subiu acompanhando a alta do preço do barril de petróleo no mercado internacional.
O cenário geral para os preços permanece benigno nos próximos meses. O Banco Central deverá reduzir novamente a taxa básica de juros, a Selic, na reunião de fevereiro. Olhando mais à frente, porém, focos de pressões inflacionárias voltarão a aparecer. “O aumento no número de pessoas empregadas e a recuperação dos rendimentos são fatores que deverão levar a remarcações de preços no futuro”, diz Marcio Milan, economista da consultoria Tendências. Para que os brasileiros possam se beneficiar de forma mais homogênea dos preços estáveis, será preciso que o governo faça os ajustes necessários para reduzir o custo Brasil e abrir a economia à concorrência. O alívio nas remarcações foi uma boa notícia de 2017, mas terá vida curta sem uma nova rodada de reformas.