sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

Baixarias no final - Às vésperas do julgamento, Lula e o PT tentam intimidar a Justiça, ameaçam a imprensa e falam em “mortes” caso o celerado tenha a prisão decretada

Thiago BronzattoRobson Bonin - Veja


Acuados com um julgamento que pode ser terminal, Lula e o PT passaram a recorrer a ameaças na reta final. No mensalão, também se criou um ambiente semelhante, quando o caso estava chegando ao fim. Patrocinaram a instauração de uma CPI para intimidar o Ministério Público e a imprensa, que foram decisivos para a descoberta e a investigação dos crimes dos mensaleiros. Quando a Lava-Jato avançava em direção ao governo de Dilma Rousseff, Lula exortou João Pedro Stédile, chefe do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a mandar às ruas um exército para defender o mandato de sua sucessora. Agora, com a proximidade da decisão do Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região, o enredo se repete. Da cúpula à base partidária, há petistas lançando bravatas ameaçadoras contra juízes, veículos de comunicação e adversários. Na terça-feira 16, a presidente do PT, a senadora Gleisi Hoffmann, em entrevista ao portal Poder360, deu a largada na retórica belicosa: “Para prender o Lula, vai ter de prender muita gente, mas, mais do que isso, vai ter de matar gente”.
Com a criação de um clima de conflagração, Lula e o PT põem em prática uma estratégia considerada crucial para a sobrevivência política do ex-presidente. Os petistas, como de resto todos os observadores da cena político-jurídica, estão convencidos de que o TRF4 manterá a condenação de Lula, mas apostam nas ameaças para pressionar os três desembargadores a não tomar uma decisão unânime. Com unanimidade, abre-se o caminho para a decretação da prisão e da inelegibilidade de Lula. O objetivo petista, portanto, é levar os magistrados, sob um clima de pressão, a deixar uma brecha para que Lula, por meio de recursos, possa livrar-se da cadeia e concorrer ao Planalto. “Se o presidente Lula for condenado, a nossa reação vai ser confirmar no dia seguinte a candidatura dele à Presidência. Vamos deixar claro que nenhuma decisão judicial vai impedir a candidatura dele”, disse a VEJA o vice-presidente do PT, Alexandre Padilha.
“Carnalula” – O MBL está organizando caravanas a Porto Alegre para comemorar uma eventual condenação (Delmiro Junior/Photo Premium/Folhapress)
Em evento com artistas, intelectuais e militantes de esquerda, o próprio Lula reforçou a pressão sobre o TRF4 ao atacar Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, o presidente do tribunal: “Esse cidadão é bisneto do general Thompson Flores, que invadiu Canudos e matou Antônio Conselheiro. É da mesma linhagem. Quem sabe esteja me vendo como cidadão de Canudos”. De fato, um ascendente do presidente do TRF4 participou da Guerra de Canudos, mas era seu tio-trisavô (não bisavô), era coronel (não general) e, mais importante, faleceu três meses antes da morte de Antônio Conselheiro. O ataque de Lula contra o desembargador Thompson Flores deve-se ao fato de que o magistrado elogiou a sentença de Moro contra Lula, dizendo que, por ser irretocável, deveria entrar para a história do Brasil. O ex-presidente, obviamente, discorda dessa avaliação, tanto que defendeu a demissão de Moro a bem do serviço público. Na semana passada, Thompson Flores pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF), ao Ministério da Justiça e à Procuradoria-Geral da República apoio para garantir a segurança dos integrantes do TRF4 . Também solicitou que as ameaças contra eles sejam investigadas.
O maior risco dos pronunciamentos agressivos de Gleisi Hoffmann e Lula é o recado que a militância recebe — o de que é preciso radicalizar. A Polícia Federal encontrou um áudio de WhatsApp, por exemplo, em que Urias Fonseca Rocha, ex-candidato a vereador pelo PCdoB em Campo Grande, em Mato Grosso do Sul, dizia o seguinte: “Se Lula for condenado, temos de brigar até as últimas consequências. Nós temos de ir pra rua, ir pro pau. Talvez, quem sabe, montar guerrilha, começar a estourar cabeça de coxinha, de juiz, mandar esses golpistas para o inferno”. Em depoimento à PF, Urias Rocha confirmou a autoria e o teor da gravação, mas disse que é contra “qualquer tipo de violência”. A PF não o indiciou por se tratar de “crime de menor potencial ofensivo”, mas a multiplicação desse tipo de ameaça, seja ela mera retórica ou não, só ajuda a conturbar o cenário político.
E o cenário político requer ânimos serenados. Nesta semana, em Porto Alegre, haverá vastos contingentes de militantes contra e a favor de Lula. Dirigentes do PT convocaram movimentos sociais e sindicatos. Segundo a Frente Brasil Popular, pelo menos 225 caravanas, com mais de 20 000 pessoas, estarão presentes na capital gaúcha. O partido espalhou outdoors com mensagens de apoio a Lula pela cidade. As placas, ao custo de 1 500 reais cada uma, foram pagas por sindicatos e parlamentares aliados. Houve ainda uma arrecadação on-line, que contabilizava mais de 1 000 doadores e 50 000 reais coletados. Os adversários políticos do ex-presidente também pretendem marcar presença em Porto Alegre. O Movimento Brasil Livre (MBL) distribuiu outdoors contra Lula, igualmente ao custo de 1 500 reais cada um (a empresa fornecedora é a mesma). O dinheiro foi obtido por meio de doações de militantes e de uma vaquinha on-line, que captou 12 670 reais, segundo Iria Cabrera, coordenadora do Vem pra Rua no Rio Grande do Sul. O material do MBL traz frases como: “Lula na Cadeia” e “Dalhe TRF4”. O MBL promete fazer um “Carnalula, pela prisão do chefe do petrolão”, após o anúncio da sentença.
Cerco – Para pressionarem os juízes, o PT e seus aliados dizem que colocarão mais de 20 000 pessoas nas imediações do tribunal (Jefferson Bernardes/AFP)
Com claques rivais no mesmo lugar, o risco de um confronto é real. Como sua declaração soou a incentivo à violência, a senadora Gleisi, ela própria ré no STF sob a acusação de embolsar 1 milhão de reais da Petrobras, tentou pôr panos quentes. Em sua conta no Twitter, disse que ao falar em “mortes” usara uma “força de expressão para dizer quanto Lula é amado pelo brasileiro”. Sua correção até pode ser honesta, mas não deixa de ser uma irresponsabilidade usar retórica sanguinária. Além disso, muitos correligionários interpretaram sua fala ao pé da letra.
Valentão – Urias Fonseca: nas redes sociais, o militante queria “estourar cabeças”. Na frente da PF, afinou (./Reprodução)
Um deles é o senador Lindbergh Farias (PT-RJ), que convocou a tropa para a batalha: “A gente tem de ter uma outra esquerda, mais preparada para o enfrentamento, para as lutas de rua. Chega. Não é hora de uma esquerda frouxa, burocratizada, acomodada”. O próprio Lula, depois dos ataques à Justiça, voltou a artilharia contra a imprensa — e, particularmente, contra VEJA: “A VEJA é uma central de mentiras. Eu quero que eles saibam. Trabalhem pra eu não voltar. Porque se eu voltar vai haver uma regulação dos meios de comunicação”, escreveu no Twitter. Cada país tem seu modelo de imprensa, com mais ou com menos regulamentação, mas nenhum adotou sua legislação com base na vingança de um líder político que se sente perseguido. Quando isso acontece, a tal regulação da imprensa ganha outro nome: censura.

O grau de acirramento preocupa as autoridades. A Polícia Federal está encarregada da segurança dos magistrados e das dependências do TRF4. Tropas da Força Nacional patrulharão Porto Alegre, enquanto a Polícia Rodoviária Federal montará barreiras nas estradas para vistoriar ônibus em busca de objetos que possam ser usados como armas. A Secretaria da Segurança Pública do Rio Grande do Sul decidiu suspender o expediente em todos os prédios públicos próximos à sede do tribunal. Uma zona de exclusão de 500 metros será criada no entorno do edifício para evitar qualquer aproximação. Apesar de petistas e antipetistas prometerem manifestações ordeiras, as autoridades temem a ação dos provocadores de sempre. Dentro e fora do tribunal, o julgamento de Lula revelará o grau de amadurecimento da democracia brasileira.