sexta-feira, 19 de janeiro de 2018

"Embargos de exaltação", editorial da Folha de São Paulo

Evaristo Sá/AFP
Brazilian opposition Senator Gleisi Hoffmann delivers a speech during the vote of the labor reform at the National Congress in Brasilia, on July 11, 2017. Oliveira suspended the session and the lights of the plenary were turned off to put an end to a protest, seven hours later the session resumed and the law was passed with 50 votes in favour and 26 against. / AFP PHOTO / EVARISTO SA ORG XMIT: ESA512
A senadora Gleisi Hoffmann durante discurso em julho de 2017


Corrigiu-se a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), na quarta-feira (17), de uma declaração que ainda assim prolonga seus efeitos negativos sobre o ambiente político.

Às vésperas do julgamento, em segunda instância, do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva por crime de corrupção passiva, o mundo petista intensifica sua mobilização —no que, com os excessos passionais compreensíveis pela conjuntura, recebe o contraponto estridente do lado oposto.

Já seria o bastante —e manifestações de parte a parte, num caso polêmico, têm sua legitimidade. Mas a senadora resolveu ir além.

Quis, ao mesmo tempo, incendiar de vez a militância que resta a seu desmoralizado partido e impor clima de coerção ao julgamento. "Para prender o Lula", ameaçou Gleisi, "vai ter que prender muita gente, mas, mais do que isso, vai ter que matar gente".

Note-se, de passagem, que toda liderança política irresponsável e delinquente fala com facilidade em derramamento de sangue, desde que se trate do sangue alheio.

Não se ofereceu, a própria senadora, em sacrifício. Seriam outras as pessoas disponíveis para morrer em nome dos ideais e dos delírios que defende em gabinete.


Feito o apelo, formulada a chantagem, lançado o disparo na escuridão, Gleisi sopra a fumaça com um sorriso. "Somos da paz e vamos em paz", declarou no dia seguinte. Usou o escape de atribuir a militantes anônimos, que teria ouvido em caravana pelo Nordeste, frases corroborando o que dissera.

Como presidente do PT, acrescenta, de todo modo, que a violência poderá "infiltrar-se" nos atos pró-Lula, e que seria risível atribuir ao partido a responsabilidade pela segurança em tais eventos.

Nunca se deram maiores confrontos em decorrência dos reveses dos petistas na Justiça e na política. As declarações desastrosas de Gleisi refletem apenas o fato de que, em vez de se dirigir a um público mais amplo, a senadora restringiu seu discurso à franja mais extremada dos correligionários.

A provocação foi aceita, como não podia deixar de ser, pelos exaltados do MBL (Movimento Brasil Livre). Estes, depois de breve interlúdio visitando exposições de arte para flertar com a censura, recomendam a aplicação da Lei de Segurança Nacional contra a senadora. É o liberalismo em transe.

Enquanto isso, o país aguarda com expectativa, mas com serenidade, o julgamento de uma Justiça independente —do qual se poderá, amplamente, recorrer.

Até a senadora, de resto, conseguiu rever suas próprias sentenças, ainda que sua incitação e irresponsabilidade, sem constituírem crime, dificilmente se perdoem.