sábado, 17 de março de 2018

CVM acusa 40 executivos da Petrobras


Bandeira brasileira em frente à sede da Petrobras, no Rio. - Dado Galdieri / Bloomberg


Rennan Setti, O Globo


A Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que regula o mercado de capitais, acusa 40 atuais e ex-administradores da Petrobras de terem ignorado por cinco anos indícios de que a refinaria de Abreu e Lima e o Comperj valiam menos do que constava no balanço da estatal. Segundo termo de acusação ao qual O GLOBO teve acesso, a autarquia entende que a companhia deveria ter reconhecido baixas contábeis nos ativos de 2010 a 2013, o que não aconteceu, e ampliado o escopo da reavaliação dos valores feita em 2014 para Abreu e Lima.

Entre os acusados estão os ex-presidentes da Petrobras José Sergio Gabrielli, Maria das Graças Foster e Aldemir Bendine, além do ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, o ex-presidente do BNDES Luciano Coutinho e o ex-diretor financeiro da Petrobras Almir Barbassa. No grupo, estão atuais diretores da estatal, como Ivan Monteiro (financeiro) e Solange Guedes (Exploração e Produção). Para a CVM, a maioria dos acusados falhou no dever de diligência e prejudicou a empresa e os investidores.

O processo, aberto em meados de 2017, está na fase de apresentação de defesas.
“Ao ter adotado procedimentos inadequados para a elaboração, ou não, desses testes de recuperabilidade de ativos, (...) a administração divulgou informações econômico-financeiras com o potencial de induzir o investidor (e demais terceiros interessados) a erro de julgamento”, concluiu Fernando Soares Vieira, superintendente de Relações com Empresas da CVM.

PENA DE MULTA DE ATÉ R$ 500 MIL

A pena, em caso de condenação, vai de multa de até R$ 500 mil à inabilitação para atuar na administração de empresa de capital aberto.

Como mostrou O GLOBO, problemas com a corrupção e a desvalorização de ativos pesam nas contas da Petrobras até hoje. No ano de 2017, a estatal foi obrigada a descontar R$ 11,2 bilhões por causa de um acordo feito com investidores nos EUA para encerrar ação coletiva. No Comperj, o escândalo da Lava-Jato travou as obras, provocando baixa contábil de R$ 167 milhões no ano passado. Em Abreu e Lima, a perda foi de R$ 1,507 bilhão.

Os principais problemas identificados pela CVM foram o não reconhecimento de impairment (baixa contábil) dos ativos de abastecimento, em especial de Abreu e Lima e Comperj, nas demonstrações entre os anos de 2010 e 2013 e o reconhecimento de só um impairment sobre o 2º trem de refino de Abreu e Lima, abrindo mão de fazer teste para o empreendimento como um todo, “o que poderia indicar montante maior de impairment a ser reconhecido.”

Nas demonstrações de 2010, a Petrobras sequer fez teste de impairment sobre Abreu e Lima, violando, segundo a CVM, uma regra contábil que trata do valor recuperável dos ativos. Para a autarquia, sobravam motivos para que já ali a estatal fizesse alterações nos valores da refinaria: a venezuelana PDVSA não havia aportado recursos previstos no empreendimento, os custos orçados saltaram de US$ 4,05 bilhões para US$ 13,362 bilhões e uma desoneração prometida de US$ 1,251 bilhão ainda não havia se concretizado.

No ano seguinte, a companhia reavaliou tanto Abreu e Lima como a primeira etapa de refino do Comperj, mas não reconheceu perda. Para a CVM, muitos indícios foram ignorados. Naquele ano, os custos reconhecidos em Abreu e Lima já eram de R$ 11,3 bilhões e a sócia venezuelana não tinha aportado qualquer centavo no negócio, além de a data prevista para início ter sido postergada. No Comperj, o investimento para implantar a unidade saltou de US$ 7,97 bilhões para US$ 11,76 bilhões.

Problemas semelhantes se multiplicaram até 2013, segundo a CVM, e a Petrobras não reconheceu em suas contas nenhuma perda no valor dos empreendimentos. No Comperj, relatórios internos da Petrobras afirmavam que o custo estava subindo apesar de ausência de atratividade do projeto.

Apenas nas demonstrações contábeis de 2014, após o escândalo da Lava-Jato vir a público, a Petrobras admitiu perdas nas unidades. Nas contas daquele ano, a companhia reconheceria baixas contábeis de R$ 44,6 bilhões, dos quais R$ 21,833 bilhões provocadas pelo Comperj e R$ 9,143 bilhões, por Abreu e Lima. Para a CVM, apenas o cálculo sobre o Comperj estava correto. No caso da refinaria de Pernambuco, porém, a autarquia acredita que as perdas admitidas estiveram aquém do número real. Isso porque a companhia não fez uma reavaliação individual da refinaria e não abrangeu o projeto como um todo. A autarquia não citou um número, mas vê indícios de que a baixa contábil deveria ser maior.

A CVM ressalvou que, naquele momento, “não há como negar que, de fato, houve um maior esforço para a elaboração e apresentação dessas demonstrações financeiras, que envolve a própria diligência dos administradores responsáveis por sua aprovação.” A CVM eximiu administradores e conselheiros que ocupavam cargos naquele momento (2015) de desobediência ao dever de diligência.

“Em relação a 2014, balanço assinado pelos diretores Ivan Monteiro e Solange Guedes, a CVM não questiona o cumprimento do dever de diligência, mas entende ter havido erro de julgamento relacionado ao teste de impairment do trem (etapa) 1 da Rnest (Abreu e Lima)”, observou, em nota ao GLOBO, a Petrobras. “A Petrobras apresentou seus argumentos e defesas e acredita ter justificativas técnicas para a decisão tomada. Pela governança da CVM, a abertura do processo sancionador é decisão da área técnica do órgão regulador, enquanto a decisão final ainda será tomada pelo colegiado.”

O GLOBO teve acesso à defesa de José Sérgio Gabrielli, que afirma que ele, como presidente, não participava da elaboração dos testes de impairment. “Não resta demonstrada a participação do Sr. José Sérgio Gabrielli em nenhum ato comissivo ou abusivo”, afirmou a defesa.

As defesas de Almir Barbassa e Aldemir Bendine não comentaram o caso. A assessoria de Luciano Coutinho não conseguiu contato com ele. O advogado de Graça Foster e Guido Mantega não retornou o contato do GLOBO.