segunda-feira, 19 de março de 2018

Em 4 anos, Lava Jato condena 160 e apavora criminosos do colarinho branco

Julia Affonso, Teo Cury, Fausto Macedo, Ricardo Brandt e Luiz Vassallo, O Estado de São Paulo

Refinaria de Abreu e Lima, em Pernambuco. Foto: Wilton Junior/Estadão
Se a Operação Lava Jato fosse um político eleito pelo povo completaria neste ano de 2018 seu primeiro mandato. Neste sábado, 17 de março, fez quatro anos que 400 policiais federais saíram às ruas de seis estados e no Distrito Federal para cumprir as primeiras ordens de prisões e buscas assinadas pelo juiz federal Sérgio Moro, para apurar um esquema de lavagem de dinheiro e desvios, que envolvia nomes do mensalão e do caso Banestado. Desde então, 160 pessoas foram condenadas – em Curitiba e Rio de Janeiro -, R$ 12 bilhões foram recuperados aos cofres públicos, em acordos com os acusados, e 263 inquéritos policiais seguem abertos, só na capital paranaense, origem do escândalo, levando o terror a políticos, empresários e operadores financeiros ainda envolvidos em crimes do colarinho branco.
A Lava Jato não começa nem termina na Petrobrás. Em meados de 2013, quando o delegado Márcio Adriano Anselmo, especialista em crimes financeiros, retomou em Curitiba o inquérito que apurava lavagem de dinheiro de familiares e assessores do ex-líder do PP na Câmara José Janene, morto em 2010, o bilionário esquema de cartel e corrupção na estatal não existia para a Polícia Federal.
Nem sequer em 17 de março de 2014, quando foram tornadas públicas as investigações, com a deflagração da primeira fase de buscas e prisões decretadas por Moro, ainda era incerta a dimensão dos crimes que seriam desvendados à partir dali, com a derrubada dos doleiros Alberto Youssef, Carlos Habib Chater – dono do Posto da Torre, em Brasília -, Nelma Kodama e Raul Srour – velhos conhecidos da Justiça, e origem do escândalo.
Só com a descoberta dos elos de Youssef e o ex-diretor de Abastecimento da Petrobrás Paulo Roberto Costa e a descoberta das empresas de fachada do doleiro, como a MO Consultoria e a Rigidez Construções – usadas para lavagem de dinheiro das obra de construção da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco (Rnest) – primeiro grande projeto do setor de óleo e gás do governo Luiz Inácio Lula da Silva -, foi que as investigações transformaram-se em um mega escândalo de cartel e corrupção.
Em quatro ano, foram 72 processos penais abertos na 13.ª Vara Federal de Curitiba, com 123 condenados, entre eles Lula, no caso do triplex do Guarujá – primeiro ação contra ele concluída, há outras duas abertas e inquéritos a serem encerrados. Considerado pelo Ministério Público Federal o “general” do esquema de corrupção, dentro do núcleo político – as denúncias aponta ainda os núcleos de agentes públicos, empresários e operadores financeiros – , o petista está condenado a 12 anos e 1 mês de prisão. Se somadas as penas de todos os réus dadas por Moro elas chegam a 1.861 anos e 20 dias de prisão.
“O andamento da Lava Jato revelou que os desvios de recursos públicos ocorreram em diversos órgãos e empresas públicas, como Eletronuclear, Ministério do Planejamento e Caixa Econômica Federal, e em obras como a Ferrovia Norte-Sul, em Goiás, e a construção da Usina de Belo Monte, no Pará”, informa a força-tarefa da Lava Jato, que nesta sexta-feira, 16, reuniu as equipes que atuam nas três instâncias da Justiça para fazer um balanço do trabalho..
“Há muito a fazer e estamos redobrando o esforço. Queremos resolutividade e continuidade. A reunião em Porto Alegre visa estreitar estratégias e avaliar o muito que temos a avançar, dimensionar a força de trabalho e os recursos que disponibilizaremos para esta atuação institucional prioritária”, afirmou a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, que participou do encontro.
Balanço. Em quatro anos, a força-tarefa originária da Lava Jato já apresentou 72 denúncias no esquema de corrupção. Dessas, 40 já tiveram sentença de Moro e 32 ainda aguardam sentença.
Foi à partir do modelo de investigação adotado em Curitiba que surgiram novas forças tarefas no Rio, em São Paulo, para atuar em processos da primeira instância, e posteriormente na Procuradoria Regional da República da 4.ª Região (PRR-4), em Porto Alegre, para atuar nos processo de segunda instância e também na PGR para atuar nos processos no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal (STF).
Nesses quatro anos, 77 pessoas foram condenadas em segunda instância, isso é, tiveram suas sentenças decretadas por Moro confirmadas no Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4).
Nesta semana, nos dias 15 e 16, procuradores das forças-tarefa de Curitiba (PR), Porto Alegre (RS), Rio de Janeiro (RJ) e Brasília (DF), que atuam nas três instâncias da Lava Jato, reuniram-se em Porto Alegre pela primeira vez para troca de informações e discussão dos trabalhos.
Ao fazerem um balanço dos quatro anos de investigação, os procuradores afirmaram que ainda há muito a ser feito. Todos defenderam a ampliação das frentes de investigação e denúncias. O procurador Eduardo El-Hage, coordenador da força tarefa da Lava Jato no Rio de Janeiro, afirma que o Estado está em uma fase “acelerada de novas operações”. “Teremos, até o final do ano, grandes operações a serem deflagradas.”
Deltan Dallagnol, na força-tarefa em Curitiba. FOTO: THEO MARQUES/ESTADÃO
Ao avaliar a corrupção, tema central da operação, que completa neste sábado quatro anos, Dallagnol afirma que ela é sistêmica e precisa de resposta sistêmica, o que ainda não aconteceu. “A punição não pode acontecer de modo episódico num caso específico, mas de modo geral. Quanto mais crimes forem punidos, menos as pessoas foram querer praticar crimes.”
O procurador acredita que a Lava Jato “tira água de pedra”. Em sua avaliação, a operação é um caso excepcional que tem oferecido resposta à sociedade. No entanto, diz que “a regra no Brasil é a impunidade para crimes de colarinho branco”.
“Se queremos mudar, precisamos atacar a corrupção, mudando sistema de justiça que privilegia a impunidade. Para isso, precisamos atacar em várias frentes. Reforma no sistema político, melhora no sistema de licitações, transparência e participação da sociedade no controle das contas públicas.”
Pavor. Não mais uma investigação de Petrobrás, nem mais uma investigação de Curitiba, a Lava Jato apavora políticos e criminosos dos colarinho branco. Muitos dos que iniciaram as apurações, já não estão mais diretamente ligados a ela, como o delegado Márcio Anselmo, que em 2016 pediu para sair da equipe, esgotado pelo excesso de trabalho, por crises internas que começaram a surgir na equipe e por motivos pessoais.
Já naquele ano, em entrevista concedida em sua antiga sala na sede da PF de Curitiba, Anselmo afirmava que “depois da Lava Jato os criminosos do colarinho branco iriam repensar a velha máxima de que o crime compensa no Brasil”. Hoje chefe do setor de crimes financeiros da polícia no País, ele acompanha à distância diariamente a evolução do caso.
Com novas forças-tarefa da Lava Jato, no Rio, em São Paulo, e nas instâncias superiores, a equipe originária perdeu um pouco o seu protagonismo no combate à corrupção nos últimos anos, um pouco também fruto da redução do ritmo de trabalho das investigações ostensivas – quando há cumprimento de buscas e prisões -, mas o trabalho em Curitiba está longe de seu fim.
Só em procedimentos de investigação criminal e inquéritos civis e notícias de fato, são 469 abertos no MPF, que demandam apuração dos procuradores e equipes de técnicos, analistas e assistentes. Na PF, há outros 263 inquéritos abertos pendentes de conclusão tocados em conjuntos com os procuradores.

NÚMEROS DA LAVA JATO
GERAL
187 Acordos de colaboração (JF/Paraná, JF/Rio, TRF-4 e STF)
160 Réus condenados em 1.ª instância (13.ª Vara Federal de Curitiba e 7.ª Vara Federal do Rio)
77 Réus condenados em 2.ª instância (TRF-4)
R$ 12 BILHÕES
Valor que colaboradores e empresas se comprometeram a devolver em delação e leniência
395 Pedidos de cooperação internacional envolvendo 50 países
FORÇA-TAREFA PARANÁ
72 Denúncias
289 Pessoas denunciadas
123 Réus condenados 13.ª Vara Federal Curitiba
1861 anos e 20 dias de pena (penas somadas)
FORÇA-TAREFA RIO
33 Denúncias
153 Pessoas denunciadas
37 Réus condenados na 7.ª Vara Federal Criminal do Rio
523 anos e 8 meses de reclusão (penas somadas)
PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA
36 Denúncias
101 pessoas denunciadas
193 Inquéritos instaurados (124 continuam ativos)
FORÇA-TAREFA PGR (ATUAÇÃO NO STJ)
12 governadores investigados, sendo que três já foram denunciados
FORÇA-TAREFA DA PRR-4 (ATUAÇÃO TRF-4)
0 Denúncias
77 réus condenados em 2.ª instância
33 Penas aumentadas
22 Penas mantidas
18 Penas diminuídas
939 anos e cinco meses de reclusão (penas somadas)
FORÇA-TAREFA PRR-2 (ATUAÇÃO NO TRF-2)
1 Denúncia
19 Pessoas denunciadas
0 Julgamentos de 2.ª instância dos casos da 7.ª Vara do Rio
Fonte: Ministério Público Federal