sábado, 5 de maio de 2018

"De olho nos juros americanos", editorial do Estadão

A decisão de frear a alta dos juros mais importantes do mundo, anunciada há poucos dias pelo Federal Reserve (Fed, o banco central americano), é só uma trégua. Quanto mais lento o aperto monetário nos Estados Unidos, melhor para o Brasil, porque menores serão as pressões sobre o financiamento internacional e o câmbio. Mas ninguém deve iludir-se. Esses juros, mantidos entre 1,50% e 1,75% ao ano, continuarão a subir, talvez a partir de junho, na próxima reunião do comitê de política monetária do Fed. A economia americana segue em recuperação, o emprego cresce e a cada dia o ambiente é mais propício ao avanço da inflação para a meta de 2% ao ano.
Os novos dados do emprego nos Estados Unidos, divulgados ontem, confirmam a ascensão dos negócios e o otimismo dos empresários. Foram criados em abril 164 mil postos de trabalho – admissões menos demissões. As contratações líquidas haviam sido de 135 mil em março e de 324 mil em fevereiro. Segundo o Departamento do Trabalho, a desocupação caiu de 4,1% para 3,9% no mês passado, menor nível desde dezembro de 2000.
Abril foi o 91.º mês consecutivo de abertura de vagas. A recuperação começou no primeiro mandato do presidente Barack Obama. Os Estados Unidos saíram da recessão bem antes da maior parte do mundo rico e têm sido um poderoso motor da recuperação global. No primeiro trimestre seu Produto Interno Bruto (PIB) cresceu em ritmo equivalente a 2,3% ao ano, menor que o do trimestre final de 2017 (2,9%), mas superior às estimativas do mercado (entre 1,8% e 2%).
O vigor da economia do país, mencionado em comunicado do comitê de política monetária, reforça as previsões de pelo menos mais duas altas dos juros básicos neste ano (a primeira ocorreu em março). Não há por que imaginar um avanço muito mais lento na chamada normalização monetária. A pausa anunciada na última reunião, há poucos dias, é apenas mais uma demonstração da cautela do comitê. Não é um sinal de mudança de rumo.
A elevação das taxas, embora sujeita a pausas ocasionais, permanece como um dado importante para a formulação de políticas em todo o mundo. Isso vale especialmente para economias emergentes e em desenvolvimento com finanças públicas frágeis. Vale também para empresas muito endividadas. O Fundo Monetário Internacional (FMI), o Instituto Internacional de Finanças e outras instituições especializadas têm chamado a atenção para os perigos. Juros básicos mais altos mexem nos fluxos de financiamento e de investimento. A aversão ao risco aumenta e fica mais apertada a oferta de crédito e de capitais de risco.
O quadro se torna mais preocupante quando se consideram alguns efeitos do crédito farto e barato disponível nos últimos anos. O acesso fácil ao dinheiro favoreceu tanto o endividamento como a valorização provavelmente excessiva de vários tipos de ativos. Um ajuste dos mercados poderá ser muito custoso tanto para empresas como para governos vulneráveis. Num e noutro caso os danos poderão atingir enorme número de pessoas.
Os efeitos serão mais penosos se o comitê de política monetária dos Estados Unidos apressar a elevação dos juros. Mais de uma vez ondas de preocupação se espalharam pelos mercados, especialmente de um ano para cá. Sinais de rápido aquecimento da economia americana e, de modo particular, de forte elevação dos salários foram interpretados como prenúncios de aperto mais rápido da política do Fed. Em todas essas ocasiões houve instabilidade nos mercados e sustos em relação ao câmbio. Houve forte valorização do dólar diante do real e de várias moedas. Nos últimos dias, o Banco Central do Brasil voltou a intervir no mercado, depois de longo intervalo, ampliando a oferta de moeda americana para conter a volatilidade.
A defesa contra choques cambiais e turbulências no mercado financeiro exige bons fundamentos econômicos. Não haverá fundamentos sólidos sem contas públicas em ordem, mas, no Brasil, os ajustes são conduzidos com pouco apoio político e a pauta de reformas está paralisada.