quarta-feira, 23 de maio de 2018

"Foi golpe ou não: como a CIA e o FBI tramaram contra Trump", por Vilma Gryzinski

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“Não existe ninguém mais qualificado nesse país para este cargo extraordinário do que você.” Donald Trump não economizou nos elogios à nova diretora da CIA, Gina Haspel. Aliás, foi fazê-los, excepcionalmente, na “casa” dela, a sede da CIA com o famoso saguão de mármore com estrelas douradas homenageando os agentes caídos em ação.
Gina é uma funcionária de carreira do serviço de espionagem. Mas a grande questão do momento é se ela sabia – ou até participou – da trama do homem de quem foi vice, John Brennan. O ex-diretor da CIA montou uma “força tarefa multidisciplinar” para espionar Trump durante a campanha presidencial.
É um escândalo que só agora começa a ser desvendado em detalhes, agravado pelo fato de que a CIA não pode agir em investigações sobre cidadãos americanos em território americano, ou um ato de defesa da pátria?
Muito depende da justificativa para a intervenção de Brennan.
Se teve bons motivos – investigar a ainda não comprovada  interferência russa, uma emergência nacional – ou se agiu com criminosa intenção de levantar informações potencialmente comprometedoras sobre um candidato a presidente e depois presidente eleito.
O nome do agente, ou agentes, plantado pela CIA ainda está por ser revelado – o que não significa que não seja conhecido. Um funcionário do comitê de Trump já disse que sabe quem é. “Ele veio até mim, disse Michael Caputo. “Estou esperando meu advogado autorizar a divulgação para o público.”
PROFESSOR ESPIÃO
O espião colocado pelo FBI para abordar assessores da campanha já foi exposto. É Stefan Halper, um respeitado  integrante da casta de especialistas em relações exteriores, professor de Cambridge, assessor de vários governos republicados.
E também informante pago do FBI  e operador usado pela CIA, onde seu sogro ocupava uma posição importante,  para promover a campanha presidencial de George Bus pai, que havia sido diretor da agência.
Desde 2016, quando começou a tentar atrair operadores de Trump, recebeu 190 mil dólares em “assessoria” e outros serviços pagos pelo Departamento da Defesa.
Uma de suas armadilhas, um clássico de serviços de espionagem,  funcionou. George Papadoupolos, um jovem agregado da campanha de Trump, aceitou a oferta a feita por e-mail pelo vetusto professor de escrever um estudo sobre energia na região do Mediterrâneo.
Receberia três mil dólares pelo trabalho e uma viagem com despesas pagas a Londres para apresentá-lo.
Quando estava em Londres, e já era comprovadamente ingênuo, outro vetusto acadêmico, Joseph Mifsud, entrou em contato com ele. Por uma incrível coincidência, o professor da Ilha de Malta mencionou um certos e-mails de Hillary Clinton em poder dos russos.
Papadopoulos acabou detido pela  equipe do promotor especial Robert Mueller logo no começo do governo Trump. Concordou em colaborar, confessando um delito: mentir em depoimento sobre tentativas de contatos com representantes do governo russo.
Durante o período em que este assessor de terceira era manipulado involuntariamente, estava sendo gestado o infame dossiê que enurmera contatos de outros integrantes da campanha de Trump com os russos.
É nele que está o trecho mais conhecido, de um suposto encontro de Trump com prostitutas russas num hotel em Moscou, com o detalhe da “chuva dourada”, uma parafilia sexual.
Entre os diversos métodos de usados para plantar o dossiê na imprensa, apresentando-o como um documento legítimo incorporado a uma investigação do FBI, foi usado um ex-embaixador britânico em Moscou.
Sem nenhuma coincidência, o dossiê foi preparado por um ex-agente do MI6, a espionagem britânica, cuja empresa de “levantamento de dados” estava a serviço do comitê de campanha de Hillary Clinton.
DIRETOR CONVERTIDO
As várias conexões com o serviço secreto britânico aconteceram quando Gina Haspel era a chefe da CIA em Londres.
A ideia de que não soubesse do complô comandando por seu chefe, John Brennan, já seria absurda para uma executiva de outros ramos. Para alguém do ramo da inteligência, é simplesmente inconcebível.
Ainda como diretor da CIA, John Brennan fez declarações públicas contra Trump que seria m estarrecedoras em  quaisquer circunstâncias. Depois, aumentou ainda mais o teor dos ataques.
(Conspiracionismo rápido: os inimigos dizem que Brennan se converteu à religião muçulmana quando era o chefe da estação da CIA na Arábia Saudita e se casou com uma local. Nenhuma muçulmana pode casar com alguém de outra religião.)
Outros integrantes do alto escalão dos serviços de informações, ligados ao establishment republicano tradicional ou ao governo de Barack Obama, seguiram o mesmo tom de Brennan. Mas nenhum atingiu o nível de agressividade do ex-diretor da CIA, agora comentarista da CNN.
Com a revelação do nível de interferência – no caso do FBI, comprovada -, começaram a surgir nos últimos dias novas bateladas de informações sigilosas sobre atividades potencialmente criminosas de outras figuras ligadas a Trump.
Joel Zamel, israelense também do ramo da espionagem particular, com uma empresa chamada Psy-Group, fez uma parceria como a Cambridge Analytica, a encrencada campeã do levantamento de dados via Facebook para criar um banco de perfis costumizados de eleitores.
Elliott Brody e George Nader associaram-se para vender à Arábia Saudita e aos Emirados Árabes Unidos uma porção de contatos e produtos destinados a isolar o inimigo comum de ambos na região do Golfo Pérsico, o Catar.
Ambos têm ficha suja. Brody pagou mais de um milhão de dólares, através do mesmo Michael Cohen, enrolado no cala-boca à atriz pornô Stormy Daniels, a uma ex-modelo da Playboy que fez um aborto durante um caso com ele. Teve que sair do comitê republicano de verbas de campanha.
George Nader, americano nascido no Líbano, tem uma condenação por pedofilia. cumpriu pena na República Checa por oferecer dinheiro e “presentes” a garotos  menores de idade em troca de sexo.
Nader, que já era conhecido como operador de monarquias árabes, inclusive em contatos com Israel,  participou de um encontro de alta volatilidade nas Ilhas Seychelles, depois da eleição de Trump.
Estavam presentes o príncipe regente de Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos, Mohammed bin Zayed, o banqueiro russo Kyrill Dmitriev e Eric Prince, o mitológico criador da Blackwater, a empresa de segurança depois desfeita que virou um potentado no Iraque.
GATAS NO ARMÁRIO
Alguns dos planos podem ser deduzidos dos e-mails vazados de Nader e Brody. O mais delirante: criar um exército particular a serviço da Arábia Saudita e dos Emirados. Exércitos particulares, claro, são a especialidade de Eric Prince.
E o banqueiro russo, uma categoria que não existe sem as mais orgânicas ligações com Vladimir Putin? Ainda a ser revelado.
Vender serviços especializados para países estrangeiros aproveitando-se da proximidade com o presidente e seu círculo próximo é a segunda profissão mais antiga do mundo em Washington.
Chama-se lobby. O único problema é que seus praticantes precisam se registrar como agentes estrangeiros, especificando o tipo de serviço prestado. Brody e Nader não atentaram para o detalhe.
Outra fonte de encrenca para Trump é o sócio do advogado Michael Cohen, o homem dos acordos de confidencialidade com as gatas no armário do presidente.
Evgeny Freidman, dono de uma empresa de táxis na qual Cohen colocou muito dinheiro, vai fazer um acordo de colaboração premiada com Robert Muller.
Todas essas tramas têm alguns elos de ligação. Mas nada se compara, por enquanto, ao complô armado por Brennan para impedir a eleição de Trump. Na falta disso, sua posse.  Ou, agora, um impeachment.
Brennan articulou a força-tarefa com Peter Strzok, o vice-diretor do FBI flagrado em armações contra Trump e a favor de Hillary Clinton. Segundo o jornal New York Post, também operava contra Trump o então secretário de Estado John Kerry. Não poderia, evidentemente, fazer nada que não fosse do conhecimento de Barack Obama.
“ATIRAR PARA MATAR”
O ponto de fervura dessas tramas, com investigações e contrainvestigações, pode ser medido pela virulência dos ataques mútuos.
“John Brennan já devia quebrar a cápsula e engolir o cianureto. Caso contrário, vai morrer numa penitenciária federal”, disse Roger Stone sobre as armações do ex-diretor da CIA. Stone é amigo de Trump e faz bico como conselheiro político dele.
Na tribo contrária, um conhecido professor de direito constitucional de Harvard, Laurence Tribe, recomendou que um processo de impeachment seja aberto contra Trump nos seguintes termos:
“Se as evidências que Robert Mueller está colhendo sustentarem um caso que convença uma esmagadora maioria bipartidária do povo americano de que esse sujeito é um perigo no poder, sempre temos o instrumento emergencial do impeachment.”
“Mas se for para atirar nele, tem que atirar para matar. E isso exige uma maioria esmagadora do tipo bipartidário. Caso contrário, o sujeito será apenas atiçado, ganhando mais poder e sendo vingado.”
Dá para imaginar um professor de Harvard falando nesses termos? Dá para imaginar um diretor da CIA, e outras figuras da mesma importância, conspirando contra um presidente eleito? Dá para imaginar que Gina Haspel não soubesse o que estava rolando?
A trama fica cada vez mais emocionante. Se não fosse um clichê insuportável, seria o caso de compará-la às séries de televisão sobre política e luta pelo poder.