domingo, 20 de maio de 2018

"O parlamentar inútil" , por Ascânio Seleme

O Globo


Há deputados e senadores que passam pelo Parlamento sem produzir um momento sequer de protagonismo. São os que sequer se esforçam para aparentar relevância. Nem mesmo procuram um espaço atrás de líderes para figurar como papagaio de pirata durante entrevistas para a TV. O deputado Nelson Meurer (PP-PR), acusado de desviar R$ 34 milhões da Petrobras com o apoio de dois filhos, é um exemplo clássico do parlamentar inútil. Do tipo que usa o mandato com um único objetivo: enriquecer.

Ao defendê-lo na primeira ação penal da Lava-Jato no STF, seus advogados demonstraram toda a extensão dessa inutilidade. Um deles, Alexandre Jobim, disse que o fato de participar do PP não o torna criminoso. Afinal, segundo Jobim, Meurer não era da cúpula do partido, mas apenas amigo do falecido presidente José Janene. Outro advogado do parlamentar, Michel Saliba, disse que o cliente deles “não tinha e não tem estofo para figurar entre os líderes do partido”.

Tem mais. Saliba acrescentou que Nelson Meurer “é um deputado municipalista, que se elege através de emendas”. O advogado não disse, mas o que está implícito é que ele faz uso sistemático do fisiologismo para sustentar uma carreira inútil para a vida política nacional. Significa que Meurer se elege graças a emendas parlamentares que distribuem dinheiro para prefeitos em troca de apoio eleitoral. De que forma o dinheiro dessas emendas é empregado pelos municípios vale outra coluna.

Como Meurer, existem centenas de parlamentares que se valem das emendas para fazer campanha. É de uma vergonha política atroz. Não que o dinheiro não seja importante para o município. Claro que é. O problema é o uso deslavado da prática, atendendo muito mais a critérios eleitorais do que comunitários no emprego da verba pública. Por isso, aliás, todo governo libera caminhões de emendas parlamentares sempre que se encontra em apuros ou quer aprovar alguma coisa no Congresso.

O mau exemplo de Meurer é explícito. Seus advogados deixaram clara sua inutilidade no STF. Saliba disse o seguinte: “Em 24 anos, seis mandatos, Meurer presidiu uma única comissão parlamentar, a de Agricultura, durante um ano. Foi relator de algum projeto importante na Câmara? Não. Foi membro de alguma comissão importante na Câmara? 

Não. Permaneceu por apenas seis meses na liderança do partido”. E acrescentou que seu cliente é um homem rude e de “educação difícil”.

Claro que os advogados esculacham publicamente um cliente para tentar livrá-lo da condenação. Seria mais ou menos como declarar que um estuprador ou um assassino é portador de deficiência cognitiva, mental ou intelectual, com o objetivo de evitar sua prisão ou reduzir sua pena. O caso de Meurer revela, contudo, mais do que uma estratégia de defesa, comporta uma triste realidade nacional, um sem número de parlamentares passa pela vida pública sem acrescentar uma vírgula que seja na história da nação.

O Congresso em Números, da Fundação Getúlio Vargas, fez um levantamento da atividade parlamentar desde a promulgação da Constituição de 1988 e concluiu, como mostrou a coluna do Ancelmo, que 80 mil proposições foram apresentadas na Câmara e no Senado nestes 30 anos. Deste total, 57 mil são projetos de lei. A maioria é porcaria. Apenas 5% foram aprovados pelos plenários das duas casas neste período.

A produção parlamentar de Meurer não é das mais baixas, mas, como explicou seu advogado, é formada sobretudo por emendas. Mixarias para quadras de esporte e centros comunitários que rendem voto, mas não melhoram as cidades. E seus votos em plenário vão de acordo com interesses do momento. É aí que faz dinheiro. Votou pelo impeachment de Dilma e contra a abertura de inquérito sobre Temer. Ao longo da vida parlamentar, votou quase sempre a favor das propostas do governo.

Em agosto do ano passado, o deputado anunciou que não concorrerá a um novo mandato. Alegou cansaço e problemas de saúde, mas, àquele momento, a ação que começou a ser julgada esta semana já havia sido protocolada no STF. Como os filhos também estão encrencados, Meurer não deixará herdeiro político. O Brasil agradece, e o Paraná faz festa.

Juro que vai subir
Reunião do Copom de quarta-feira não derrubou a taxa de juros para 6,25% como o mercado esperava. Como os juros não caíram no Copom, certamente vão subir nos bancos.

Escola de Samba S/A
A eleição da diretoria do Salgueiro tem a cara do Brasil. Tentativas de fraude, desrespeito a leis e estatutos, dribles para fugir de inelegibilidade e impugnações na Justiça. A única diferença é que na eleição da escola de samba participam bicheiros, traficantes e milicianos, já nas eleições gerais… Será?

Te cuida, Kakay
A Associação dos Defensores Públicos do Rio de Janeiro mandou e-mail e publicou desagravo contestando nota desta coluna. Segundo a associação, levantamento mostra que “a Defensoria Pública teve sucesso em um número praticamente cinco vezes maior de habeas corpus no STF do que a advocacia privada de elite”. No STJ, diz a associação, seu “êxito também é bem maior que os privados”. A Defensoria Pública, ainda de acordo com a associação, tem a confiança de 74,1% dos brasileiros. Melhor não fazer mais propaganda, porque Marcelo Odebrecht e Joesley Batista podem querer economizar com seu esquadrão de advogados.

Por falar nisso
Já tem gente em Brasília chamando Gilmar Mendes de “Habeascorpista Geral da União”.

Vale a pena ler de novo
O prefeito autorizou aumento de 11% nas tarifas de ônibus da cidade, alguma coisa entre cinco e seis vezes a inflação dos últimos 12 meses. Como contrapartida, as empresas da turma do Barata juram que vão colocar ar-condicionado na frota até 2020, obrigação que, por acordo anterior, deveria ter sido cumprida em 2016. Enquanto isso, 12 das 37 empresas não pagam impostos.

Nosso Rio
Vieira Souto, entre Garcia D’Ávila e Maria Quitéria, na calçada, um quiosque fechado há um mês, latões de lixo transbordando no meio da manhã; na areia, uma cama improvisada numa velha cadeira de praia. E é ali que se paga o IPTU mais caro do Brasil.

Inconclusivo
Palavra de cinco sílabas e 12 letras, que não se supunha caber em título de jornal, ajudou a salvar o mandato do presidente Temer no episódio do grampo feito por Joesley Batista no Jaburu, revelado pelo Lauro Jardim há um ano.

Ascânio Seleme é jornalista