terça-feira, 22 de maio de 2018

Os nossos ídolos

Luiz Cláudio Latgé, O Globo


A imagem do Camp Nou lotado, com quase 90 mil pessoas, para aplaudir Iniesta, em sua despedida do Barcelona, dá a dimensão de como o esporte pode ser maior que o jogo que acontece entre as quatro linhas. O nome escrito no estádio pelos torcedores revela todo o reconhecimento ao camisa 8 da seleção espanhola: “Iniesta Infinito”.

No momento em que a seleção brasileira se apresenta, em Teresópolis, na reta final da preparação para a Copa da Rússia, é interessante entender como se dá a relação da torcida com os jogadores. Quem são os ídolos do torcedor brasileiro, numa seleção formada por jogadores que pouco jogaram no Brasil?

A seleção tem apenas quatro jogadores de times brasileiros. Desde que a globalização e o poder econômico dos grandes clubes europeus começaram a dominar o futebol, tem sido assim: a cada ano cresce o número de jogadores da seleção que jogam no exterior. Os craques são negociados cada vez mais cedo. Quantos fizeram história por clubes brasileiros? Talvez Neymar, que, mesmo vendido aos 21 anos, jogou 230 vezes, fez 138 gols e deu vários títulos ao Santos, entre eles uma Libertadores. Muitos nunca vimos jogar por aqui. Qual o clube de Roberto Firmino? Despontou na Copa São Paulo de Juniores jogando pelo Figueirense em 2009, para se transferir no ano seguinte para o 1899 Hoffenhein da Alemanha.

Iniesta entrou no Barcelona aos 12 anos. Vestiu a camisa do seu clube por 22 anos. Jogou 674 partidas. Cento e vinte e cinco pela seleção. Ganhou tudo, campeonato espanhol, Copa do Rei, Copa da Uefa, Mundial de Clubes, uma Copa do Mundo. Foi homenageado em todos os estádios por que passou na sua última temporada.

Quantos jogadores da seleção jogaram 300 partidas por um clube brasileiro? Os clubes têm dificuldade de reter seus maiores craques. Faz tempo não se produzem ídolos como Zico, Roberto Dinamite, Jairzinho ou Fred, o mais recente deles, entre outros que fizeram história por seus clubes muito além de uma, duas ou três temporadas. Não que não haja craques. São muitos. Mas quantos têm tempo de estabelecer esta relação duradoura com um clube, com sua torcida? Nos últimos anos, os goleiros têm sido os mais longevos: Rogério Ceni, Marcos, Jéferson, Vitor. Mas agora até o mercado dos goleiros está aquecido, e dois dos três convocados jogam fora do Brasil.

Muitos jogadores carregam na bagagem conquistas importantes para seus clubes. Outros brilharam em várias equipes e na seleção. Impossível esquecer Romário na janela do avião trazendo a Copa. Há os que se tornaram estrelas mundiais: Ronaldo, Ronaldinho Gaúcho. 

E as lendas do futebol: Pelé, Garrincha, Nilton Santos. O futebol cria seus ídolos e a sua fama cobre o mundo.

Iniesta fez muito mais pelo futebol do que os 32 títulos que conquistou. Depois da partida, com o estádio vazio, sentou-se no meio do gramado, sozinho, ainda com o uniforme do clube. O homem se despe da imagem pública, se encontra com a sua história. Nunca foi o melhor do mundo. Nunca foi o artilheiro do time, fez pouco mais de 70 gols na carreira, no Barcelona e na seleção. Mas construiu uma carreira exemplar, jogando com personalidade, estilo, paixão. Exemplar na conduta, no espírito do jogo, na entrega, no respeito ao torcedor e à sua arte.

Soube vestir o uniforme de ídolo. Ídolo é aquele que tem algo a dizer, uma inspiração. Foi Infinito.

Qual é o seu ídolo?